ALTERIDADE VERSUS
VIOLÊNCIA
UMA ABORDAGEM A
PARTIR DA OBRA
“DA EXISTÊNCIA AO
EXISTENTE”
DE EMMANUEL LÉVINAS
2008
LUÍS
HENRIQUE ALVES PINTO
Guaratinguetá, 13 de dezembro de 2008.
Resumo
O ser humano é um ser de relações. Os relatos mais antigos, mesmo de ordem mitológica, atestam o extraordinário fascínio diante do outro. Na busca por sobreviver, em meio a um ambiente hostil, congrega-se e cria grupos. No impulso erótico e afetivo, procria e gera laços. No maravilhar-se ante ao absolutamente Outro, cala-se reverente e faz festa exultante. Mas, por outro lado, o mesmo ser humano vê o outro com sentimentos de rivalidade e hostilidade. Assim, se depara com a insana violência do preconceito, fundamentalismo, escravidão, exclusão e guerra. O tema a ser estudado será a questão da Alteridade versus violência a partir da obra “Da Existência ao Existente” de Emmanuel Lévinas. Os objetivos do presente trabalho são: pesquisar e elencar os principais desafios da realidade quanto à intolerância e violência em suas várias manifestações; Pesquisar e apresentar de forma clara a relevante proposta de Lévinas sobre a alteridade; confrontar o princípio da alteridade de Lévinas com os desafios da realidade de intolerância e violência. A Metodologia empregada pretende ser a dialética, investigando a realidade da violência e confrontando-a com o referencial teórico da alteridade de Lévinas para chegar a princípios norteadores de interferência na mesma realidade. O levantamento de dados será efetuado através de pesquisa bibliográfica. A relevância do trabalho está na reflexão sobre o conceito de alteridade exposto na obra “Da Existência ao Existente”. O foco da filosofia para Lévinas não está mais na questão ontológica e sim na ética. Ao imperativo que ordena ao indivíduo agir frente ao outro como gostaria de ser tratado, Lévinas propõe o próprio outro como fonte da conduta adequada. Já não é mais a própria liberdade que termina quando começa a dos outros, mas sim que ela é garantida pela liberdade dos outros. O princípio da alteridade superaria o princípio da totalidade, raiz das ações violentas.
Palavras-chave:
Violência, Alteridade, Lévinas, Ética, Existente.
SUMÁRIO
Introdução .........................................................................
7
1. O Fenômeno
da Violência ........................................ 10
1.1.
Causas Históricas da Violência ............................. 11
1.2.
As Causas Culturais da Violência ........................ 13
1.3.
As Causas Políticas da Violência ...........................15
1.4.
As Causas Psicossociais da Violência ..................16
1.5.
As Causas Individuais da Violência ........................19
2. Uma
Leitura da Obra “Da Existência ao Existente”..........................................................................
26
2.1.
Introdução
...................................................................... 26
2.1.1. O
Horizonte de Lévinas e de sua Obra ................................. 26
2.1.2. Classificação
das Obras ......................................................... 28
2.1.3. Características
da Obra de Lévinas ...................................... 29
2.2. “Da Existência ao Existente” ...................................
30
2.2.1. A Relação com a Existência e o
Instante .............................. 31
2.2.2. O Mundo
...................................................................................
33
2.2.3. Existência Sem Mundo
........................................................... 34
2.2.4. A Hipóstase
.............................................................................
36
2.2.5. Em Direção ao Tempo
............................................................ 42
3. Alteridade
Caminho Alternativo à ViolênciA .................................................................................................
48
3.1. Introdução
......................................................................
48
3.2. Intuições Filosóficas
................................................. 50
3.2.1. Ruptura com os Parâmetros
Éticos da Tradição Ocidental 50
3.2.2. A Separação dos Entes
...........................................................51
3.2.3. O Lugar da Origem e Intimidade
............................................ 52
3.2.4. O Rosto, Infinito e Alteridade
..................................................52
3.3. Alteridade
....................................................................... 57
Conclusão ........................................................................
59
rEFERÊNCIAS
bIBLIOGRÁFICAs ...................................... 62
Introdução
O ser humano é um ser de
relações. Os relatos mais antigos, mesmo
de ordem mitológica, atestam o extraordinário fascínio diante do outro. Na
busca por sobreviver, em meio a um ambiente hostil, congrega-se e cria grupos.
No impulso erótico e afetivo, procria e gera laços. No maravilhar-se ante ao
absolutamente Outro, cala-se reverente e faz festa exultante. Mas, por outro
lado, o mesmo ser humano vê o outro com sentimentos de rivalidade e
hostilidade. Assim, se depara com a insana violência do preconceito,
fundamentalismo, escravidão, exclusão e guerra.
Atualmente há ainda uma
última preocupação, a de zelar pela casa comum, o próprio planeta Terra. A
afirmação do racionalismo, o processo de industrialização, a vontade de poder e
domínio fizeram com que o ser humano impusesse um modelo de desenvolvimento que
suga de modo exaustivo todos os recursos da Terra e coloca-se em risco sua
própria vida. A Terra manifesta-se também como outro diante do qual nos
deparamos.
Ao longo da história, o
ser humano buscou elementos capazes de fortalecer a experiência coletiva de
sobrevivência, salvaguardar os laços afetivos e aproximar-se do transcendente.
Desde as mais rudimentares normas de convivência, os pactos sociais,
imperativos de moralidade religiosa há um fluxo, tanto de aprimorar a
convivência como a tentativa de livrar a humanidade da autodestruição.
Perguntamo-nos, haveria na história da reflexão filosófica ocidental um
paradigma ético capaz de tratar de forma consistente a experiência humana
diante do “outro”? Um princípio de ética filosófica, para além das normas
morais das correntes religiosas, forte o suficiente para ser proposto ao ser
humano neste nosso tempo e ordem globalizada?
O princípio da alteridade
de Emmanuel Lévinas poderia ser este imperativo ético. A obra “Da Existência ao
Existente” expõe elementos marcantes de sua filosofia que apresenta a ética
como filosofia primeira: a fenomenologia da preguiça, do cansaço e do esforço
que manifesta a luta entre existente e existência; a experiência do “há”; a
hipóstase, pela qual o existente subjetiva a existência; e finalmente a
alteridade, fenomenologia do “outro”. Enquanto a ontologia dá ênfase ao ser
individual, a ética proposta por Lévinas coloca o outro como centro da
reflexão. “Da Existência ao Existente” é uma obra escrita em sua maior parte
nos anos
A
pertinência do tema está na angustiante constatação do agigantar-se da
violência e da necessidade de encontrar um princípio ético norteador para a
formação de uma nova humanidade. A relevância está no conceito de alteridade
exposto na obra “Da Existência ao Existente”. Segundo Emmanuel Lévinas, o
humano tratado como um nada, uma existência sem existente, somente poderia ser
superada no ser-para-o-outro. Trata-se de um princípio ético de respeito à
alteridade. A relevância apresenta-se ainda do ponto de vista social afirmando
um princípio de superação da violência, onde o “ser para o outro” significa a
responsabilidade ética por ele. Trata-se da deposição da soberania do Eu e da
relação social com outrem de forma desinteressada. O tema da ética, presente na
obra “Da Existência ao Existente”, se esforça por entrar em diálogo crítico com
o ocidente ontológico. Ele propõe uma saída ética para as inquietudes
existenciais que caracterizavam o ocaso do pós-guerra.
A metodologia empregada é
a dialética. Ela investiga a realidade da violência e a confronta com o referencial
teórico da alteridade de Lévinas para chegar princípios norteadores de
interferência na mesma realidade. O processo de apresentação da tese, antítese
e síntese visa elencar e descrever os dados da realidade histórica e cultural,
analisar a proposta de Lévinas sobre a alteridade e finaliza com a síntese da
proposta da ética da alteridade como filosofia primeira.
O levantamento de dados
será efetuado através de pesquisa bibliográfica. Na primeira parte, tal
pesquisa será indireta consultando obras que analisam a questão da violência,
bem como os comentários referentes à obra de Lévinas. Na segunda parte, a
pesquisa será diretamente na obra indicada de Lévinas. Uma síntese e uma
análise de seus principais conceitos favorecerão a apresentação didática do
pensamento do autor estudado. Finalizando, do confronto da realidade de
violência com os pontos pertinentes da obra Lévinas se esboçará uma síntese das
características de uma nova ética para uma um novo ser humano.
CAPÍTULO 1
O Fenômeno da Violência
A violência é um fenômeno
que parece ser crescente no mundo, particularmente nos países do Terceiro Mundo
e no Brasil. O número dos excluídos é cada vez maior. Hoje é um luxo ser
explorado pelo sistema do capital. Dentro do atual modelo de desenvolvimento
econômico há uma compra da força de trabalho. A remuneração é uma pequena
vantagem oferecida que deveria ao menos garantir um mínimo de seguridade
social. Aos fatos conhecidos de assaltos de rua e em prédios, de seqüestros, de
infanticídios e de chacinas por parte de grupos extermínio soma-se a exclusão
social. A grande maioria dos países possui um modelo altamente predatório de
capitalismo. Quase a metade da população
brasileira vive na exclusão. Esta parcela significativa de cidadãos está fora
de qualquer benefício social. Isto também se configura como um estado de
violência. São estruturas permanentes e continuadas de violência. Para melhor
situar a questão da violência, serão apresentadas suas causas por cinco
caminhos diferentes: o histórico, cultural, político, psicossocial e
individual.
1.1. Causas Históricas da Violência
Uma primeira causa da
violência, particularmente na América Latina, encontra-se em seu passado.
Trata-se de todo o período de colonização ibérica que marcou estas terras. A
colonização implica num ato de extrema violência organizada, sistemática e
continuada. A violência da conquista e da invasão consiste em colocar toda uma
nação, com sua população, cultura e tudo o que tem à depredação do outro. O
colonizado assiste ao congelamento de sua história, é obrigado a internalizar a
visão do “eu” que nega o “outro”. Trata-se de uma postura de afirmação do pólo
de poder do “eu” e aniquilamento do “outro”, seus valores, a sua forma de ver o
mundo, de organizar a sociedade, de pensar e venerar a divindade. A aceitação
da dominação nunca foi pacífica. A história da América Latina está cheia de
revoltas abafadas, mas nunca totalmente dominadas[1].
A história deste grande
continente é marcada por um paradoxo. Por um lado, o grupo dominante sempre
pautou suas opções por uma atitude antipopular. Alienados e conservadores, os
que exerceram o poder nunca se reconciliaram com o povo. Nunca viram nele seu
potencial, nunca reconheceram suas conquistas, pois sempre desejaram que ele
fosse o que não é. Nunca viram suas virtudes nem admiraram sua cultura. Negaram
seus direitos e arrastaram para a periferia, no lugar que achavam que lhes
pertencia. Por outro lado, as maiores construções são fruto da ação popular[2].
O processo de colonização
idealizou uma história sempre escrita apenas pela mão branca. Nela não falaram
os negros, os índios, os mulatos, as mulheres e os pobres
Na formação de uma
sociedade urbana livre, o Estado se caracterizou por uma postura de violência
na sua relação com os movimentos operários e sindicais. Maus tratos e torturas
eram freqüentes contra operários e líderes sindicais. Muitos brasileiros foram
desterrados para lugares distantes como Ilha Grande, Fernando de Noronha e
estrangeiros foram devolvidos aos países de origem[5].
Há em tudo isso uma absurda contradição na sociedade brasileira: por um lado,
não consegue criar emprego para todos; e por outro, prende, por vadiagem,
aqueles que encontram na rua e que não conseguem mostrar uma carteira de
trabalho assinada. O Estado detém o uso legítimo da violência. Mas aqui há um
uso injusto e perverso que contradiz a legitimidade do Estado como Estado de
Direito, fruto de um pacto social de cidadania[6].
A questão social foi,
durante muito tempo, tratada como caso de polícia, e não como caso político.
Essa violência histórica, na base da dominação do outro e de sua escravização,
cristalizou-se na subjetividade coletiva das elites latino-americanas. Elas
criaram a mentalidade de que o povo nada vale. O argumento apresentado é o da
tradição, de que o negro deve ser tratado com violência, porque sempre foi
assim. Ele não deveria receber nada, nem o salário mínimo, pois historicamente
sempre serviu gratuitamente aos senhores. Eles entendem o salário como ato de
generosidade por parte do patrão, e não como expressão de justiça. O mecanismo
de violência social reside, primeiramente, nas estruturas mentais da classe
dominante. A conquista da América Latina foi violenta, sobretudo com o índio, o
negro, o trabalhador organizado e com todos os pobres até atualmente[7].
1.2. As Causas Culturais da Violência
Atualmente há uma cultura
dominante, imposta pelos que historicamente domaram o povo latino-americano. O
eixo estruturador dessa cultura é a vontade de poder e dominação. Usa-se uma
dura violência como forma de manter a dominação e depois a doce, para garantir
a hegemonia. É socialmente aceito o uso da violência nesse tipo de cultura
dominante. Essa dominação obriga a três posturas: uma primeira é a atitude de
subserviência para sobreviver, implicando a traição da própria história; outra
seria a resistência, a rebelião e a clandestinidade, com a conseqüente
possibilidade de perseguição, de prisão, de tortura e de morte; um terceiro o
disfarce, o simulacro e o "Jeitinho". Este último busca a
sobrevivência adaptando-se e aproveitando todos os espaços e contradições da
dominação para manter e preservar a própria identidade[8].
Impera em muitos lugares
uma cultura do medo. Trata-se de uma cultura por um lado da segurança dos
grupos abastados, das grades, do exército paralelo de defesa dos donos do poder
econômico. E por outro lado, das gangues, organizações de assaltantes e do
crime organizado. Essas duas realidades se provocam gerando graves conflitos.
Em meio a esta verdadeira guerra urbana está a maioria da população. Há ainda
uma cultura da corrupção de colarinho branco. Há o mundo do crime organizado no
estrato empresarial, no mercado e dentro do próprio aparelho de Estado.
Violência esta que gera uma política nas estratégias e articulações. Essa
política, para ser efetiva, necessita corromper a imprensa, a justiça, as
autoridades de controle e a polícia. Há, também dialeticamente, um outro tipo
de violência, que vem das organizações da criminalidade, baseadas na vontade de
enriquecer por meio do crime ou mediante o tráfico de drogas, o jogo e a venda
de armas e produtos importados. Esta é movida por propósitos individualistas de
enriquecimento rápido e pela busca desenfreada de prazer. Aqui funcionam duas
regras básicas: a da força bruta das armas de fogo, cada vez mais potentes e
sofisticadas, e a posse de muito dinheiro, com o qual tudo se compra. Há atualmente
quadrilhas nos grandes centros urbanos, que se articulam numa organização
central; há hierarquia, e os cabeças devem obediência a comandos mais altos.
Ali se decide sobre a vida e a morte dos membros das várias gangues. Vigora uma
lógica da submissão total, caso contrário, funciona o mecanismo da eliminação
física. Mata-se para mostrar coragem e disposição. Assim como se mata pelo
prazer de matar e mesmo mata-se para eliminar um adversário do amigo, e assim
dar-lhe um agrado ou fazer-lhe uma surpresa. Do mesmo modo que se mata por
qualquer erro ou porque criou incômodo no arranjo de poder das quadrilhas. A
relação do chefe com os subordinados é de total dominação, respectivamente de
dependência. Nas guerras entre quadrilhas, produz-se um verdadeiro extermínio
de um e de outro lado. A lógica é a da guerra total[9].
1.3. As Causas Políticas da Violência
A sociedade atual está
organizada a partir da exploração violenta da mais-valia do trabalho e na
exclusão de grande parte da população. Há um verdadeiro conflito entre o
capital e o trabalho, origem a uma desenfreada luta de classes, com a dominação
permanente dos donos do poder ao longo da história. Essa luta cria violência em
todos os campos: primeiro, no campo econômico, com os baixos salários e a
privatização da verba pública; segundo, no campo político, mediante a produção
de uma cidadania menor, que se expressa pela corrida aos cargos públicos por
parte dos partidos que dão sustentação ao governo e se valem de benesses
públicas; pelos sindicatos cooptados ou desvirtuados em sua função; pela guerra
no campo por falta de reforma agrária e devido às dificuldades de organização
participativa; terceiro no campo cultural, pelo desprezo à cultura popular e
pela dominação da cultura da mídia de massa sobre a população, influenciada
pelos estereótipos da cultura globalizada de origem norte americana; quarto, no
campo religioso, pelo não-reconhecimento das religiões populares, afros; pela
manipulação dos sentimentos religiosos do povo por líderes que transformam os
templos em verdadeiras casas de câmbio; pela folclorização da piedade popular;
quinto, no campo educacional, com a escola negada a milhões de pessoas, o que
explica o alto índice de analfabetismo e com os professores desestimulados;
sexto, no campo sanitário, pela falta de cuidado com a saúde do povo, sem
hospitais, postos de saúde, remédios e dentistas[10].
A modernização
conservadora, sob a influência dos ajustes estruturais, leva a substituir a
preocupação pelo desenvolvimento por aquela da estabilização e do combate à
inflação. Pouco considera os custos sociais, cobra a integração econômica no
mercado mundial, com descaso pela soberania nacional e popular; impõe um
diálogo Norte-Sul, mas exclui da agenda os temas da fome mundial, da dívida
externa e seus perversos efeitos sociais. Todo esse processo tem por efeito
prolongar a herança trágica de exclusão de milhões de brasileiros que, para
sobreviver, têm de continuamente cometer o ilegal, viver do comércio informal,
de pequenos roubos e delitos. Sobre eles caem pesadas punições legais e sociais[11].
1.4. As Causas Psicossociais da
Violência
As classes dominantes
internalizaram dentro de si a convicção de que elas tudo podem e de que são
impunes. O autoritarismo ligado à impunidade e à corrupção, que tudo acoberta,
é uma das origens da violência[12].
As classes dominadas internalizaram o caráter violento, injusto e desigual de sua
situação. Elas não vêem seu direito à segurança realizado, desta forma elas têm
de se defender por si mesmas. Usam da violência como estratégia de
sobrevivência e também como meio político de recuperar o que lhes foi negado ou
expropriado. Porém, trata-se de uma antiviolência, ou seja, é a reação a uma
violência anterior. Assaltando e destruindo se vingam dos males sofridos, dos
direitos roubados dos sonhos destruídos. Esse processo, geralmente, não é
conscientizado nem racionalizado pelas classes dominadas, no sentido de ser
fruto de uma reflexão anterior. Trata-se de uma reação no nível do
inconsciente, que busca uma compensação e até uma vingança pelo mal de que
foram vítimas[13].
A psicanálise aliada ao
pensamento social detecta este tipo de violência. Temos, pois um princípio de
crítica da violência construído a partir da criminalidade social. Descobre-se a
sociedade de desiguais como causadora da pobreza. A partir de uma mentalidade
individualista, usa-se a própria força, a fim de alcançar a compensação para
interesse particular. Sendo individualista a reação à violência primeira, ela
não é revolucionária. Na verdade, ela reforça uma visão conservadora. Isto
ocorre porque, se por um lado questiona a estrutura social iníqua, o que é um
problema político, por outro, não percebe que esta deve ser mudada
coletivamente para impedir a perpetuação da injustiça e da desigualdade. O indivíduo
busca o seu próprio bem-estar, pela violência, como forma de compensação, sem
mudar nada no sistema. Um problema político demanda uma solução política, e não
meramente individualista[14].
A genuína atitude passa
pela organização dos grupos marginais com o objetivo de modificar a sociedade
mediante processos de conscientização e práticas transformadoras, a partir de
um projeto de nova sociedade. Este processo seria político e demanda
transformações em todas as esferas. Muitos dos indivíduos violentos que
realizam estratégias para sobreviver em meio à estrutura de exclusão se fossem
conscientizados poderiam ser líderes revolucionários para enfrentar a
realidade. Líderes revolucionários para instaurar uma nova sociedade sem
desigualdades. Porém, o estrato burguês da sociedade e o Estado temem
exatamente esse tipo de raciocínio. Pois este, sim, é revolucionário e os
ameaça como um todo. Enquanto ficar individualizada, a violência não causa
medo. Pelo contrário, o Estado pode aplicar tranqüilamente as leis e punir os marginais[15].
A burguesia se sente
segura em sua ordem que, na verdade, é uma grande desordem social com aura de
ordem político-jurídica. A principal causa desta desordem social está
justamente na manutenção do status quo. O estrato burguês da sociedade gosta de
dramatizar a violência pelos meios de comunicação social, particularmente a TV,
mostrando os níveis de perversidade dos crimes e o número de vítimas feitas.
Consegue elevar a violência urbana ao nível de problema nacional e, num certo
tempo, de segurança nacional. Na verdade, analisando-se os números, morre muito
mais gente em acidentes de tráfego, em acidentes de trabalho e em conseqüência
da fome e das doenças da fome do que vítima de assaltos. Estes números não
ameaçam os detentores do sistema e a ordem que os beneficia. A realidade
violenta, que mata a cada minuto, não é dramatizada, e por isso é apresentada
como socialmente suportável. Por outro lado, a violência urbana vem dramatizada
visando a um efeito político: conseguir a perseguição, a prisão e eventualmente
a morte dos criminosos. Este mecanismo ideológico de mascarar a realidade é um
dos artifícios usados pela classe dominante para esquecer ou abafar a violência
sobre a qual ela está assentada, uma violência originária, provocada por ela
mesma. Este mesmo mecanismo procura então bodes expiatórios nos criminosos
comuns. Decorre daí a importância dada à vigilância, ao controle e repressão.
Há inclusive o uso do aparato bélico para manter a ordem e oferecer segurança
agindo contra as populações periféricas ou "marginais" ao sistema[16].
1.5. As Causas Individuais da Violência
Há também violência por
razões subjetivas em pessoas individuais e em grupos. É conhecida uma clássica
discussão científica sobre a origem da agressividade humana. Alguns pensadores
dentre eles Freud, Lorenz, Fromm, René Girard e outros a abordaram
explicitamente esta questão.
Para Freud, a agressividade
é expressão da dramaticidade da vida humana, cujo motor é a luta entre o
princípio de vida (eros) e o princípio de morte (thánatos). Descarrega-se a
tensão para fins de auto-realização, ou então sobre outros, com intentos
destrutivos. Para Freud, é impossível aos humanos controlar totalmente o
princípio de morte. Por isso, sempre haverá violência na sociedade. Mas por
leis, pela educação e, de modo geral, pela cultura pode-se diminuir sua
virulência e controlar seus efeitos perversos[17].
Para Konrad Lorenz, a
agressividade é um instinto como outros e destina-se a proteger a vida. Mas ela
ganhou autonomia, porque a razão construiu a arma mediante a qual a pessoa ou o
grupo potencializa sua força e assim pode se impor aos demais. E criou-se uma
lógica própria da violência. A solução é encontrar substitutivos: voltar à
razão capaz de dialogar, ao esporte, à democracia e ao autodomínio crítico do
próprio entusiasmo. Para Lorenz a guerra
somente desaparecerá quando os seres humanos conquistarem por outros modos
aquilo que era conquistado mediante a força bruta. Contudo há que se voltar à
realidade, o modo como o ser humano está cultural e socialmente estruturado,
ele traz consigo consideráveis fatores de violência objetiva. Estes poderão ser
minimizados, controlados, mas não totalmente eliminados. E assim chegamos a um
ponto radical da análise que importa enfrentar: a raiz originária da violência,
a estrutura do desejo humano articulado para a rivalidade e que gera, assim,
conflito e violência[18].
Para Girard a raiz da
violência encontra-se na estrutura do desejo humano. Analisando as grandes
obras literárias e mitos transculturais, encontra-se o mecanismo do desejo na
raiz de tudo. O desejo constitui a grande mola propulsora das transformações e
da busca do novo. Contudo, há uma particularidade, que escapou à análise de
cunho subjetivista: no desejo não há apenas dois termos, o sujeito que deseja e
o objeto desejado, há sempre o outro, o terceiro, que, segundo Girard, funciona
como rival. O rival deseja o mesmo objeto que o outro. Este deseja o mesmo
objeto não por acaso ou por mera coincidência, mas por uma estrutura de fundo,
ligada ao próprio desejo humano. Na verdade o ser humano tem uma tendência ao
infinito. Deseja-se não somente isto e aquilo, mas a totalidade. O ser humano
deseja tudo[19].
Na verdade, o ser humano
não sabe concretamente o que deseja. Girard propõe que o desejo é determinado
somente a partir do rival. Cada pessoa deseja aquilo que seu rival deseja.
Assim sendo, o desejo deixa o vago e ganha configuração concreta, o desejo é
essencialmente mimético[20].
O desejo mimético é gerador de conflito, pois os dois desejam o mesmo objeto.
Com isso entram
O ponto alto do mimetismo,
e concomitantemente da violência, é alcançado quando os rivais se unem e criam
a unanimidade mimética. Todos se unem contra um só, sobre o qual todos
descarregam sua violência. Os muitos têm diante de si apenas um rival, que
importa abater. Ele será a vítima. O desejo mimético é fundamentalmente
vitimatório. Produz vítimas por todos os campos onde se expressa o desejo
concorrencial humano. O processo vitimatório é extremamente inventivo. A
produção da vítima funda a sociedade e a cultura[22].
Quando todos se unem para
descarregar a violência sobre a vítima, criam uma comunidade. A vítima aparece
como causa da desordem e então descarregam sobre ela toda a violência. Todos se
unem para eliminá-la. Da morte da vítima
resulta a paz e harmonia. O retorno da ordem ocorre porque todos desaguaram
sobre o caos sua violência e assim se apaziguaram. A criação da vítima é
fundadora da comunidade e da cultura. Quando todos se unem para punir a vítima
há uma ruptura do desejo mimético. Se a violência fosse deixada por si mesma,
criar-se-ia uma cadeia ininterrupta de violências e de vinganças. Um teria de
matar o outro, porque esse outro, matou, e assim indefinidamente. A criação da
vítima faz com que todos descarreguem a violência nela, e assim se constitui a
comunidade sem violência[23].
Os gregos chamavam de Phármakos
às vítimas humanas. Eram pessoas que a sociedade mantinha e que eram
sacrificadas em momentos de crise. Nessa ocasião, eram levadas em todos os
cantos da cidade, para absorver as impurezas do ambiente. Eram pessoas há um
tempo execráveis e admiradas. Execráveis porque incorporavam toda a iniqüidade
da comunidade. Admiráveis porque, mediante seu sacrifício, era possível
alcançar o apaziguamento da comunidade. Com seu sacrifício se produziria um
efeito "farmacêutico", ou seja, curativo. Toda a inimizade e violência
dissimulada da cidade eram redirecionadas e apaziguadas pela vítima.
Inicialmente, sacrificava-se um filho, um deficiente físico, um prisioneiro, um
escravo, enfim, alguém da família humana. Depois, substituiu-se a vítima por um
animal que guardasse certa analogia com os humanos. A vítima tem sempre uma
função vicária: ela está no lugar de toda a comunidade. Esta mesma comunidade
ao descarregar sobre ela sua violência, chega à paz e à concórdia social[24].
Com o processo
civilizatório, procurou-se substituir a vítima pela lei. Não basta sacrificar
de vez
Nessa passagem do
sacrifício à lei, cria-se o rito e o mito. Pelo rito se recorda e se celebra o
benefício que a vítima trouxe com sua morte, a paz, o apaziguamento e a coesão
da comunidade. Elabora-se o mito, que é a narração plástica e dramática de todo
esse processo ritualizado. Lei, rito e mito estão na base de toda cultura e das
instituições que dela derivam. Essas três pilastras visam a fechar a boca da
vítima. São construídas pelos que sacrificaram a vítima e a mantêm como vítima[25].
Hoje não são realizados
sacrifícios como no passado. Mas há também vítimas atualmente, dentro de
mecanismos sacrificialistas até mais perversos. Como tese geral, pode-se dizer
que onde há instituições surgem as violências. As instituições são sistemas
auto-reguladores e sacrificiais. Punem, excluem e até eliminam quem não se
ajusta a elas. Elas concretizam leis e normas estruturadas, possuem seus ritos
e elaboram um mito justificador de sua fundação[26].
Na atualidade o sistema
econômico e o mercado são sacrificiais. Adam Smith dizia: toda sociedade
civilizada deixa morrer aqueles que não chegam a garantir sua subsistência.
Quem está no sistema, no conjunto articulado de leis, normas e instituições,
vive; quem não está, é descartado e morre. A harmonia está baseada em deixar
morrer aqueles que não entram na harmonia. Então, a ordem instituída produz
desordem. É ordem a partir do momento em que exclui todos os que não são
capazes de entrar nela e nela se manter. Assim ocorre no mercado auto-regulador.
Quem é forte no mercado, vive e progride. Já quem é fraco, é eliminado e
excluído do mercado. Quando se celebra a capacidade auto-reguladora do mercado,
significa que se está celebrando sua sacrificialidade. O desemprego é
necessário para salvar empresas. Poupar empregados, não demiti-los é ser
não-sacrificialista. O preço desta opção é ser ineficaz, ficar economicamente
fraco, perder na concorrência e se auto-sacrificar, morrendo empresarialmente[27].
A teoria de Girard acerca
do desejo mimético permite entender melhor os mecanismos de reprodução da
violência. A violência dos marginalizados e oprimidos é reflexo mimético da
violência primeira e modelar das classes dominantes, que impedem a realização
do desejo das maiorias. Os oprimidos são violentos porque se encontram
enquadrados numa sociedade violenta. Eles se tornam vítimas sobre as quais a
classe dominante descarrega toda a sua violência e constroem a paz entre os
lobos. A classe dominante inventa continuamente bodes expiatórios. Esta classe mantém-se
dominante porque usa permanentemente a violência. Ela precisa inventar os bodes
expiatórios para esconder sua própria violência. Objetivando aniquilar a
vítima, pode descarregar sobre ela sua violência, aplicar-lhe as leis, puni-Ia
de mil formas, até pela exclusão sistemática do processo de produção e consumo.
Este é a estrutura que vem ocorrendo atualmente em nível mundial[28].
No Brasil há uma
particularidade neste aspecto da interpretação ideológica da violência. As
classes dominantes criam uma interpretação da violência no sentido de ela é
causada pelos pobres, pelos movimentos sociais e pelos habitantes das
periferias. Tais acusações visam a ocultar o fato de que é ela a causadora
principal da máxima violência que é exclusão social. Quem de fato trabalhou e
construiu quase tudo o que existe no Brasil foram os negros, escravizados.
Atualmente eles são difamados como aqueles que não querem trabalhar e por isso
são pobres. Trata-se de profunda injustiça e mentira histórica. Trata-se do uso
dos recursos do desejo mimético das classes dominantes, criando bodes
expiatórios para mascarar a própria violência e ocultar a falta de
solidariedade e de senso de justiça histórica. Por outro lado, as vítimas
coletivas não aceitam essa condenação e procuram se defender dentro do mesmo
círculo de violência. Trata-se de uma antiviolência, seguindo o mesmo processo
mimético[29]. Como
superar esse círculo vicioso? Isso implicaria uma revolução nas relações
sociais, baseadas não mais no desejo mimético, mas na alteridade.
Certamente, não é fatal
que o terceiro, o rival que também deseja, deseja só para si, com exclusão do
outro. Há uma atitude alternativa. Ele pode entrar numa parceria com os outros
desejantes. Pode construir a solidariedade e a comunhão ao redor do mesmo objeto
desejado. Emergiria então outro tipo de sociedade originária. Teríamos uma
sociedade não violenta, individualista, dilacerada e sim solidária, baseada em
valores comunitários e integrada. Para atingir este estágio de humanidade a
proposta deste trabalho é investigar a reflexão filosófica de Emmanuel Lévinas.
A ruptura com o círculo vicioso da violência poderá encontrar seu ocaso a
partir de uma nova concepção do ser humano e da ética. É neste sentido que o
próximo capítulo deste trabalho se propõe reler uma das obras de Emmanuel
Lévinas, “Da Existência ao Existente”, e vislumbrar nela os primeiros passos de
sua reflexão sobre a Ética da Alteridade.
CAPÍTULO 2
Uma Leitura da
Obra
“Da Existência
ao Existente”
2.1. Introdução
2.1.1. O Horizonte de Lévinas e de sua Obra
No
capítulo anterior foi apresentada uma abordagem do fenômeno da violência,
destacando suas causas históricas, culturais, políticas, psicossociais e
individuais. A violência se apresenta por vezes como uma rede que a todos envolve
num gigantesco círculo vicioso. Para romper tal círculo faz-se necessário
repensar a própria estrutura do ser humano, seu modo de se perceber e atuar no
mundo, bem como sua relação com os outros seres humanos. Objetivando encontrar
tal abordagem humanista e ética nos propomos reler um importante filósofo do
século XX, Emmanuel Lévinas. Na impossibilidade de reler toda a sua vasta e
diversificada obra, vamos nos ater a um de seus primeiros ensaios reflexivos:
“Da Existência ao Existente”.
Antes
de abordar diretamente a obra “Da Existência ao Existente” é necessário
apresentar os lugares hermenêuticos a partir dos quais foram produzidos, bem os
princípios norteadores de Lévinas, suas opções e reflexões de um modo mais
abrangente.
A
obra e o pensamento de Lévinas são mais bem compreendidos quando inseridos no contexto
dos acontecimentos marcantes do século XX. Entre outros, devem ser lembrados as
guerras[30],
e particularmente as duas guerras mundiais, que mostraram a ineficácia dos
princípios éticos que norteavam as sociedades. A perseguição nazista aos judeus
que fez milhões de vítimas e a própria experiência de Lévinas oficial militar
judeu prisioneiro de guerra são situações e lugares hermenêuticos, que permitem
uma melhor abordagem da obra levinasiana. O pensamento ético de Lévinas
apresenta-se como denúncia e como crítica impiedosa a esta realidade. Na obra
de Lévinas há que se levar em conta igualmente a inspiração e a experiência
moral mosaico-profética, confrontada com a filosofia e cultura grega[31].
Sendo,
pois, Lévinas pertencente ao século XX e testemunha das duas grandes guerras
mundiais e das inúmeras violências decorrentes delas, sua reflexão filosófica
aparece como um referencial humanitário e uma profissão de esperança na
Humanidade. Lévinas conheceu o peso da máxima violência contra o homem que
convida à distração como condição de sobrevivência. Lévinas não cede nem ao
niilismo, nem ao anti-humanismo, menos ainda à distração. Ele toma um outro
caminho. Procura integrar tanto a tradição da reflexão racional com linguagem
conceptual da tradição filosófica grega com a tradição hebraica. Acredita que a
razão pode se deixar inspirar pelos profetas e pelos rabinos sem humilhação[32].
O conteúdo ético proposto em suas obras é proveniente do “ethos” cultural
judeu. Uma tradição antiga que conservou sua sabedoria na escritura da Tora,
nos comentários inscritos no Talmude e na tradição rabínica. Uma antiga
sabedoria que se constituiu na experiência originária e pré-filosófica de
Lévinas[33].
A
obra de Lévinas tem por meta apresentar o sentido do humano num mundo e tempo
marcados pela negação do humano. Ele se rebela contra a ontologia e avança rumo
a uma utopia onde o humano se mostra. Seu pensamento nos remete ao radicalmente
outro. Isto implica na afirmação da justiça, entendida como responsabilidade
que transborda e precede a minha liberdade[34].
2.1.2. Classificação das Obras
Para
melhor compreender “Da Existência ao Existente” convem antes de tudo situá-la
no conjunto das obras. Não é uma tarefa fácil englobar o pensamento de um
filósofo tão talentoso, com reflexões em campos tão característicos. Por isso,
convém estabelecer uma classificação das obras por períodos com as preocupações
fundamentais de Lévinas. Segundo Ulpiano[35],
as obras de Lévinas podem ser classificadas de
2.1.3. Características da Obra de Lévinas
Diante
da classificação das obras em períodos históricos há que se destacar também
suas características internas. Estas dizem respeito não só a temática abordada
pelo autor, mas também seu enfoque metodológico e hermenêutico. Sendo assim, do
ponto de vista das peculiaridades internas da obra de Lévinas, podem ser
apresentadas quatro características:
A
primeira é a oposição Filosofia versus Teologia. Por um lado, Lévinas, sempre
reivindicou para seu discurso e para seus escritos o caráter de filosófico. Por
outro lado, propõe sempre a questão de Deus, inseparável da questão do sentido,
da linguagem, da subjetividade, da ética. Ataca a alternativa Razão versus Fé,
Deus dos filósofos versus Deus bíblico, a teologia versus a experiência
religiosa. Procura escutar Deus longe do discurso da filosofia ocidental, mas
também longe dos discursos da religião e da fé. A questão de Deus e a filosofia
são inseparáveis. Deus não pode entrar diretamente como tema do discurso
filosófico, pois assim não seria Infinito. Se Deus pudesse ser dito fora da
evocação religiosa não seria encontrável pela racionalidade humana. No primeiro
caso, Deus não seria Deus e no segundo, o homem não seria humano[37].
A
segunda é a oposição Metafísica versus Ontologia. A investigação de Lévinas
pretende ser metafísica, opondo-se a todos os modelos ontológicos. Esses
modelos subordinariam a relação com o ente à relação com o ser e neutralizariam
o ente captado como ‘o mesmo’ e não como ‘outro’. A ontologia seria ‘filosofia
do poder’ da liberdade antes que da justiça. Lévinas aponta a necessidade de
buscar uma alternativa ao discurso ontológico. Esta investigação só poderá
expressar-se na linguagem ética.
A
terceira é a oposição Ética e Fenomenologia. Por um lado, se recusa a
reconhecer um desfecho teológico para o seu discurso. Por outro, nega a
possibilidade para a consciência de recuperar a situação original de criatura[38].
Seu ponto de partida é o homem entendido como ‘o outro’. Desta forma, a
criaturalidade é anterior à absorção no Ser, no sistema, na linguagem,
liberdade, responsabilidade pelo Outro. A quarta característica interna é a
oposição entre Tradição judaica e Tradição cristã. Filósofos e os profetas não
são sincrônicos nem simultâneos. Filosofia e Bíblia devem ser pensadas
diacronicamente[39].
2.2.
“Da Existência ao Existente”
Serão apresentados agora
os dados fundamentais da obra de Lévinas, “Da Existência ao Existente”.
Trata-se de um empreendimento demasiadamente ousado dado o caráter hermético da
obra levinasiana. Neste texto, o filósofo lituano trata de categorias
filosóficas tais como os problemas da existência, do mundo, do tempo, da
intencionalidade e da consciência. Trata, sobretudo do que ele denomina “il y
a”, metáfora da pura e absoluta impessoalidade. Sua principal intenção é, pois
a descrição fenomenológica deste “il y a” que permite assinalar uma saída ética
ao egoísmo ontológico que jogou o Ocidente na máxima violência, a guerra total[40].
2.2.1. A Relação com a Existência e o
Instante
O Ocidente no momento de
guerra total era a máxima expressão da terra do ser. O impessoal “il y a” se
realiza num processo anônimo, sem sujeito, sem saída, indiferente e sem
sentido. O esforço de “Da Existência ao Existente” é o de encontrar uma
experiência que possa propiciar uma saída deste sem saída que é o “il y a” [41].
Inicialmente,
para alcançar o evento do nascimento da existência e do existir humano, Lévinas
propõe investigar dois fenômenos da realidade e que são anteriores à reflexão:
o cansaço e a preguiça. Tais eventos revelam um “não-fazer”, um “não-receber”,
uma impotência e um retroceder diante da existência. Cansaço e preguiça sugerem
um alheamento da existência e um escape do ser. O cansaço é fastio de tudo, de
todos, de si e da existência[42].
Eles se constituem em ponto estratégico de inércia a partir da qual se pode
observar o evento do nascimento da existência e do existente. Tanto o cansaço
quanto a preguiça sugere um alheamento da existência, um escape do ser. O
cansaço é fastio de tudo, de todos, de si e da existência. A existência arrasta
o existente inerte para existir. A existência, vista sob a metáfora da rejeição
ao existir, é um chamado ao existente para assumir a existência em sua própria
existência. A existência exige, mas o existente resiste. De um lado, a
insistência e do outro, a resistência. Evadir-se sem o “para onde”, sem
direção, sem destino e sem “fim”. Esta experiência manifesta a existência como
insistência e inevitabilidade de existir. O existente não está necessariamente
condenado a existir[43].
Lévinas afirma que só há
cansaço no esforço e no trabalho. O trabalho e o esforço humanos supõem um
engajamento. O esforço revela uma condenação e este é cansaço e sofrimento[44].
Contrapondo trabalho e jogo, engajamento e leveza, Lévinas vai dizer que o
esforço exclui o jogo. Pois, enquanto no jogo se age de modo desinteressado e
gratuito, no trabalho vivemos a separação entre o esforço e seu fim. Ele está
se referindo a uma história e a um horizonte de tempo. Deste modo situa a
atividade na existência do homem, no seu presente. Agir é assumir um presente.
O presente é a aparição de um sujeito que está em luta contra a existência ou
que está em relação com ela e que ao mesmo tempo a assume[45].
O processo de adesão ou
fechamento para o existente é posto como exigência e resistência. A existência
arrasta o existente inerte para existir. A existência, vista sob a metáfora da
rejeição ao existir, é um chamado ao existente para assumir a existência em sua
própria existência. A existência exige, mas o existente resiste. De um lado, a
insistência e do outro, a resistência[46].
Por um lado, temos o ato essencialmente de sujeição e servidão, por outro, o
esforço. Este é como uma condenação. O sujeito assume o instante como um
presente inevitável. Para Lévinas, o sofrimento do esforço, ou o cansaço, se faz
inteiramente dessa condenação ao ser, desta falta de flexibilidade[47].
O cansaço é como que um atraso, trazido pelo existente, ao existir[48].
Enfim evadir-se sem um “para-onde”, sem direção, sem destino e sem “fim”
constitui o conteúdo deste cansaço e desalento do existente. Esta experiência
manifesta a insistência e inevitabilidade de existir[49].
2.2.2. O Mundo
Para Lévinas, o mundo é o
lugar onde habitamos. Lugar onde realizamos a atividades mais cotidianas como
passear, almoçar e jantar[50].
O mundo enfim é o lugar onde estamos. Trata-se do “ali” onde o “eu” faz sua
instância, ou seja, mora. É o lugar onde apreende e compreende[51].
Deste modo, estar no mundo é estar preso às coisas[52].
Para traduzir esta da
maneira mais exata esta relação com o mundo Lévinas usa a noção de intenção.
Nela a preocupação em existir está ausente. Desejando a pessoa não se preocupa
em ser, justamente por já estar absorvida pelo desejável, por um objeto que
amortecerá totalmente meu desejo[53].
Desejo e ser estão em pólos opostos. O ser é o que é pensado, visto agido,
querido, sentido, numa palavra, o objeto. Ser no mundo é ir ao desejável. A existência no mundo tem sempre um centro,
ela nunca é anônima. Existir refere-se a um movimento intencional do interior
para o exterior[54].
Diferente da necessidade o desejo, como relação com o mundo, comporta ao mesmo
tempo uma distância e uma proximidade[55].
O que caracteriza o ser no mundo é a sinceridade da intenção, a suficiência do
mundo e o contentamento[56].
Por isso, viver é uma sinceridade, é ir em busca do desejado. Contudo, o desejo
não se basta a si mesmo[57].
Luz é toda apreensão
sensível ou inteligível. Ela remete às atitudes de ver a dureza de um objeto,
de sentir o gosto de um alimento, o cheiro de um perfume, ouvir o som de um
instrumento, perceber a verdade de um teorema. A luz condiciona todo ser. É
pela luz que os sujeitos tomam posse dos objetos. Pela luz o mundo é dado e
apreendido. O ser no mundo tem um fora e um dentro, ou seja, ao mesmo tempo em
que tende para as coisas, retira-se delas e busca a interioridade. A luz torna
possível o envolvimento do exterior pelo interior. O pensamento é sempre
claridade. O que vem de fora é compreendido e iluminado. Há totalidade porque
ela se refere a uma interioridade na luz. O espaço iluminado é inteiramente
recolhido em torno de um espírito que o possui. A relação do objeto com o
sujeito é dada ao mesmo tempo em que o próprio objeto. Enfim, o saber é a
condição de toda ação livre[58].
2.2.3. Existência Sem Mundo
Na relação com o mundo o
ser humano pode buscar evadir dele. Ele pode fugir do mundo. Um exemplo disso,
a arte pode fazer com que o ser humano saia do mundo. Pois, a função elementar
da arte consiste em fornecer uma imagem do objeto em lugar do próprio objeto,
ou seja, uma abstração. A arte comunica caráter de alteridade aos objetos
representados. O movimento da arte consiste em deixar a percepção para
reabilitar a sensação[59].
A pintura, por exemplo, é uma luta com a visão. Ela busca arrancar da luz os
seres integrados num conjunto. Olhar configura-se como um poder de descrever
curvas, de desenhar conjuntos nos quais os elementos singulares são integrados
e o onde o particular aparece se abandonado[60].
A noite é a própria
experiência do “há”. Na noite não se lida com coisa alguma. Esta universal
ausência é uma presença absolutamente inevitável. Não há discurso. Há em geral,
sem que importe o que há, sem que se possa juntar um substantivo a este termo:
“há”, de forma impessoal. Trata-se de um anonimato essencial. O desaparecimento
de toda coisa e o desaparecimento do eu remetem ao que não pode desaparecer, ao
próprio fato do ser de que se participa anonimamente[61].
A escuridão preenche o
espaço noturno como um conteúdo. Ele está pleno, pleno de nada do tudo. A
insegurança vem do fato de que nada se aproxima, nada vem, nada ameaça. É
possível falar de noites em pleno dia[62].
Ser consciência é ser
arrancado ao há, já que a existência de uma consciência constitui uma
subjetividade[63]. Matar,
assim como morrer, é buscar uma saída do ser, ir aonde a liberdade e a negação
operam[64].
O horror da noite, como experiência do há, não revela um perigo de morte, nem
mesmo um perigo de dor[65].
Lévinas opõe o horror da
noite, “o silêncio e o horror das trevas”, à angústia heideggeriana. Ele opõe o
medo de ser ao medo do nada. Enquanto a angústia, em Heidegger, cumpre o “ser
para a morte”, apreendida e compreendida de algum modo, o horror da noite “sem
saída” e “sem resposta” é a existência irremissível[66].
Negar a totalidade do ser é, para a consciência, mergulhar numa espécie de
escuridão onde, ela se mantém como funcionamento, como consciência dessa
escuridão. A negação total seria impossível. A escuridão é compreendida como
conteúdo. É um conteúdo obtido por negação de todo conteúdo. A escuridão, como
presença da ausência, não é um conteúdo puramente presente[67].
Existir
é confrontar-se com o fato de que “se é” e de que as “coisas são”, com o fato
de que “há”. Não há outra forma de confrontar-se com a existência senão
existindo-a como existente. A “Existência” se dá imediatamente no “existindo”
de um “existente”, o “existente” aparece no “existindo” de sua “existência” [68].
Tratando-se do ser humano, o existente poderia dar-se separado da existência. A
existência aponta para o existente que “existe-já-existindo”. A existência do
existente humano tem a peculiar forma de “existir-existindo-vivo”. A luta pela
vida o faz projetar e agir em vista de um para além do momento originário e da
inteligibilidade impactante de que “se é” e “há” [69].
2.2.4. A Hipóstase
Como
o existente pode suspender sua existência? Este procedimento do existente
frente à sua exigência é designado como “hipótese”, ou seja, o modo pelo qual
de um verbo em infinitivo (existir) se faz surgir um substantivo (existente)
que se torna eticamente a carga de seu ser ao sair de si-mesmo para o
Outro-diferente-de-si-mesmo[70].
Existir em sentido ontológico é tornar-se carga de si-mesmo, “curando-se” de
tudo o que não seja este si-mesmo. Para Lévinas isso é o mal. O bem é sair de
si-mesmo para o Outro-diferente-de-si-mesmo, para o diferente de si-mesmo. Sair
de si-mesmo implica mudar o modo de aproximação do ser[71].
Mesmo
que se pudesse imaginar a aniquilação de todos os entes, ainda sobraria um
resquício de ser que se designaria pelo “há”. A experiência do “há” é
semelhante à experiência da noite, onde todos os objetos perdem a forma, mas a
noite está aí, sem forma, como presença que se impõe diante da ausência das
formas consumidas pela obscuridade[72].
O
“há” é o ser geral. “Há”, ser em geral, permanece sempre, mesmo que todos os
entes sejam reduzidos ao nada. A experiência existencial do “il y a” (há) é
trágica e horrorosa. É horror diante do que sobrevive à morte e diante de uma
existência que é universal até em seu desaparecimento. O ser, entendido como
presença absoluta, anônima e impessoal, não pode ser negado e está além de toda
contradição, síntese ou superação. A existência é uma brutal condenação a um
permanente confronto com o inevitável[73].
Para tal, Lévinas estabelece a metáfora da insônia.
Com entender a metáfora da
insônia? Lévinas não está convencido de que não haja uma porta de saída no ser.
Ele pensa que se o nada não pode funcionar como negação do ser, talvez possa
funcionar como “intervalo” no ser. Nada entendido como intervalo produzido pela
consciência no ser. Estabelece pois um paralelo entre a insônia e a presença
insistente do ser o estado de um sujeito que não consegue dormir de noite[74].
A impossibilidade de destruir o inevitável manifesta-se por meio de momentos
nos quais o sono escapa. O eu é levado pela fatalidade do ser. A vigília vazia
de objetos, a vigília da insônia não tem sujeito. É o próprio retorno da
presença no vazio deixado pela ausência[75].
Velando quando já não há nada mais para velar o indivíduo está sujeito ao ser,
sujeito a ser. Existir é estar em estado de permanente vigilância. A obra de
ser do ser é inevitável, contínua, ininterrupta[76].
Lévinas entende, pois a
insônia como o despertar do “há” no seio da negação. A consciência do sujeito
pensante é exatamente a ruptura da insônia do ser anônimo, a possibilidade de
escapar, retirar-se do ser[77].
O ato de dormir significa suspender temporariamente as atividades mentais e
físicas. É um recostar o corpo em algum lugar como base. A existência fica como
que abandonada numa posição de refúgio e partida. É um abandono do pensamento,
do saber e da consciência à base. O sono é a inércia da consciência. A
consciência advém da passagem de uma situação de não assumir o ser para a
situação de assumi-lo[78].
Se a insônia é a extinção do sujeito. Em que consiste o aparecimento do sujeito
[79]?
A relação consciência com
o inconsciente não é feita de oposição, mas de vizinhança. A partir da
comunicação com seu contrário a consciência se cansa e se interrompe, tem um
recurso contra si mesma. A consciência parece sobressair ao “há” por sua possibilidade
de esquecê-lo, por sua possibilidade de dormir. [80]
Dormir é suspender a atividade psíquica e física. O apelo ao sono se faz no ato
de deitar-se. Deitar-se é exatamente limitar a existência ao lugar[81].
Este lugar é na verdade uma base ou uma condição. Compreende-se esta
localização como a de um corpo situado em dado espaço. O sono restabelece, pois
a relação com o lugar como base. Ao deitar-se, o sujeito abandona-se a um
lugar. Este se torna o refúgio do sujeito, um lugar que ele tem como base. Toda
sua obra de ser consiste apenas
A
consciência é tornar-se a partir de uma base, um lugar ou mesmo um refúgio.
Tornar-se consciente é assumir o ser. Há outra possibilidade além de existir,
há a possibilidade de evadir-se do ser e suspender a existência, produzindo um
intervalo no ser. O sujeito se apresenta como sujeito pelo fato de estar
apoiado sobre uma base. O contrário do sujeito é a existência incógnita,
universal, sem sentido ou sem saída. Um sujeito não posicionado é um
não-sujeito. O “aqui”, onde se posicionam o sujeito e a consciência[83].
O aqui da consciência é o
lugar de seu sono e de sua evasão
O corpo é próprio advento
da consciência, seu ser é da ordem do evento e não do substantivo. O corpo é a
posição e a irrupção, no ser anônimo, do próprio fato da localização[85].
Desse evento, além da experiência externa, há também a experiência interna, a sinestesia.
Esta é feita de sensações. A sinestesia é mais do que um conhecimento, há uma
intimidade. É possível dizer que sou minha dor, minha respiração, meus órgãos,
que não tenho somente um corpo, mas que sou um corpo. Mesmo assim o corpo é um
ser, um substantivo, um meio de localização, e não a maneira como o homem se
engaja na existência ou a maneira como ele se põe. Apreendê-lo como evento é
dizer que ele não é o instrumento ou o símbolo ou o sintoma da posição, mas a
própria posição, que nele se realiza a própria mutação de evento em ser[86].
Dizia-se que o corpo era
mais do que um acúmulo de matéria, ele abrigava uma alma e tinha o poder de
expressar. O corpo podia ser mais ou menos expressivo e tinha partes que de
fato o eram. O rosto e os olhos, espelhos da alma, eram por excelência os
órgãos da expressão. Mas a espiritualidade do corpo não reside nesse poder de
expressar o interior. Em virtude de sua posição, ele cumpre a condição de toda
interioridade. Ele não expressa um evento. Ele é, de fato, este evento[87].
Além do corpo e sua
relação com a existência, outro ponto de destaque é a questão do tempo. A
extensão do tempo aparece como a própria extensão da existência. Define-se por
sua resistência à destruição do tempo. Ao instante em que a existência ao mesmo
tempo nasce e morre, sucede o instante em que ela nasce. Ele recolhe sua
herança. É a persistência de uma existência mediante a duração que imita a
eternidade. O tempo é uma imagem móvel da eternidade imóvel. A existência é
concebida como uma persistência no tempo[88].
O instante é tomado em
qualquer lugar no “espaço do tempo”, cujos diferentes pontos só se distinguem
uns dos outros por sua ordem, mas onde eles se equivalem. O instante é
cumprimento da existência[89].
Antes de estar em relação com os instantes que o precedem ou o seguem, o
instante encerra um ato pelo qual se adquire a existência. Cada instante é um
começo, um nascimento. Limitando-nos ao plano estritamente fenomenal, deixando
de lado a relação transcendente. Como começo e nascimento, o instante é uma
relação única, uma relação com o ser, uma iniciação ao ser. O que começa a ser
não existe antes de ter começado e, no entanto, é o que não existe que deve por
seu começo nascer para si mesmo, vir a si, sem partir de nenhuma parte. Esse
movimento de vir a si sem partir de alguma parte não se confunde com aquele que
transpõe um intervalo de tempo. Ele se faz no próprio instante em que alguma
coisa, precede o instante. O fluir do instante constitui sua própria presença[90].
Lévinas ao tratar da
questão do instante mostra como o presente está subjugado pelo peso da
existência. O absoluto da relação entre o existente e a existência, no
instante, se faz do domínio do existente sobre a existência, mas, ao mesmo
tempo, do peso da existência sobre o existente[91].
O presente está sujeito ao ser. Ele é dominado por ele. O eu retorna fatalmente
a si. O ser assumido é uma carga. O “presente” e o “eu” são o movimento da
referência a si mesmo que constitui a identidade[92].
Normalmente
o tempo é concebido como uma sucessão que garante a continuidade na existência
do sujeito, uma continuidade sem intervalos e sem possibilidade de uma exceção
no fluxo temporal e existencial. Lévinas esboça uma concepção diferente do
tempo. Nela entre o “instante presente” e o “instante seguinte”, há o intervalo
do “nada” produzido pela consciência que dorme. O despertar da consciência é o
renascimento no “instante seguinte”. O tempo compreendido como tempo oportuno
para começar de novo, depois do intervalo da inconsciência, num novo instante
não sincronizado com o anterior, mas diacronizado se trata de um outro tempo ou
tempo novo, acaba levando o sujeito às portas do não-definitivo[93].
Qual o sentido de hipóstase?
Entende-se por hipóstase o evento pelo qual o ato expresso por um verbo
torna-se um ser designado por um substantivo. A hipóstase significa a suspensão
do há anônimo, a aparição de um domínio privado, de um nome. Sobre o fundo do
“há” surge um ente. Pela hipóstase o ser anônimo perde seu caráter de “há”. O
ente é sujeito do verbo ser e, exerce um domínio sobre a fatalidade do ser. A
hipóstase, o existente, é uma consciência, porque a consciência é localizada e
posta. É consciência também porque ela vem ao ser a partir de si mesma e vem ao
ser a partir de si mesma. O presente é uma função dela: ele é essa vinda a
partir de um si mesmo, essa apropriação da existência por um existente que é o
“eu”. Consciência, posição, presente, “eu”, são eventos pelos quais o
inominável verbo ser se transforma
A
relação entre o existente humano e sua respectiva existência foi recolocada por
Lévinas. Com isso conseguiu-se livrar o existente do trágico destino de
existir-existindo-sua-existência como necessário e inevitável confronto com o
fato do ser, de que “se-é” e de que “há”. Ser anônimo e universal capaz de
sobreviver à sua própria negação. Lévinas estabelece uma nova relação a partir
de uma análise fenomenológica do “lugar”, da “posição”, da “base” e do
“instante”. Uma relação constituída, por um lado, da possibilidade de suspender
o ser e sua obra de ser no mundo recolhido da consciência, outro lado, do
domínio do existente sobre sua existência, peso da existência sobre o
existente. Avanço neste ponto da obra “Da Existência ao Existente” foi a
abertura de uma porta no ser e a imposição de uma suspensão em sua obra de ser[95].
2.2.5. Em Direção ao Tempo
O eu se mantém como algo
idêntico através da multiplicidade mutável do devir[96].
O “eu” seria um ponto indestrutível, do qual emanam atos e pensamentos sem
afetá-lo por suas variações e multiplicidade. O “eu” é idêntico porque é
consciência. Ele é substância porque ele é dotado de pensamento[97].
Ser eu comporta um acorrentamento a si mesmo, uma impossibilidade de
desfazer-se desse si mesmo. O acorrentamento a si mesmo é a impossibilidade de
se desfazer de si mesmo. Ser eu não é somente ser para si mesmo, é também ser
consigo mesmo. O sujeito é a partir de si mesmo ou contra si mesmo. A solidão
do sujeito é mais do que um isolamento de um ser. É, se pode dizer uma solidão
a dois. Este outro que não é o eu corre como uma sombra acompanhando o eu[98].
Para que essa carga e esse
peso sejam possíveis como carga, é preciso que o presente seja também a
concepção de uma liberdade. Concepção, e não a própria liberdade. O pensamento
ou a esperança da liberdade explicam o desespero que caracteriza no presente o
engajamento na existência. A distinção estabelecida entre a liberdade e o
simples pensamento de uma libertação proíbe toda dedução dialética do tempo a
partir do presente[99].
O evento pode aparecer
como possível em virtude de razões positivamente perceptíveis no presente e,
então, espera-se com mais ou menos certeza um evento que somente comporta
esperança na medida em que é incerto. O futuro pode trazer uma consolação ou
uma compensação a um sujeito que sofre no presente, mas o próprio sofrimento do
presente permanece como um grito cujo eco ressoará para sempre na eternidade
dos espaços[100].
A alternância de esforços
e de lazeres, da qual gozamos os frutos de nossos esforços, constitui o próprio
tempo do mundo. Ele é monótono, pois seus instantes se equivalem. Ele vai para
um domingo, puro lazer no qual o mundo é dado. O domingo compensa a semana.
Compensa-se e se amortece, em lugar de ser reparado é a atividade econômica. O
mundo econômico não atinge somente nossa vida material, mas todas as formas de
nossa existência nas quais a exigência da salvação tinha sido preenchida[101].
Mas esse tempo da
compensação não basta à esperança. A esperança não se contenta de um tempo
composto de instantes separados, dados a um eu que os percorre para recolher no
instante seguinte o salário de seu sofrimento. O objeto verdadeiro da esperança
é a salvação. A carícia do consolador que aflora durante a dor não promete o
fim do sofrimento. Não é mais condenado a si mesmo, levado para “outro lugar”,
libera-se do aperto do “si mesmo”, uma dimensão e um futuro. Ela anuncia mais
do que um simples futuro: ela anuncia um futuro no qual o presente beneficiará
de uma convocação. Esse efeito da compaixão é infinitamente misterioso. Não se
resgata o sofrimento. Como a felicidade da humanidade não justifica a
infelicidade do indivíduo, a retribuição no futuro não esgota as penas do
presente. Não há justiça que possa repará-las. Ter esperança é ter esperança na
reparação do irreparável, ter esperança no presente. Geralmente se pensa que
essa reparação é impossível no tempo, e que só a eternidade é o lugar da salvação.
E esse recurso à eternidade, testemunha ao menos a exigência impossível de
salvação que deve concernir ao próprio instante da dor e não somente dar
compensação[102].
O tempo “instante
seguinte” é rescisão do engajamento irrescindível da existência fixada no
instante, à ressurreição do “eu”. O tempo não é uma sucessão dos instantes, mas
a resposta à esperança pelo presente. É da esperança pelo presente que convém
partir para compreender o mistério da obra do tempo. A esperança espera pelo
próprio presente. No próprio momento em que tudo está perdido, tudo é possível.
Não se trata de contestar o tempo de nossa existência concreta, constituído por
uma série de instantes em relação à qual o “eu” é exterior. Tal é o tempo da
vida econômica. Aí, o tempo é a renovação do sujeito – mas essa renovação não
dissipa o tédio. O “eu” é essa exigência do não-definitivo. O “eu” não é
independente de seu presente, não pode percorrer sozinho o tempo, encontrar sua
recompensa simplesmente negando o presente[103].
O tempo não surgiria num
sujeito só. A alteridade absoluta do outro instante não pode encontrar-se no
sujeito que é definitivamente ele próprio. Essa alteridade só me vem de outrem.
A socialidade é o próprio tempo. A dialética do tempo é a própria dialética da
relação com outrem. A dialética da relação social nos fornecerá um encadeamento
de[104]conceitos
novos. E o nada necessário ao tempo vem da relação social.
A coletividade do eu-tu é
o face a face temível de uma relação sem intermediário, sem mediação. Outrem é
o que eu não sou: ele é o fraco enquanto sou o forte; ele é o pobre; ele é “a
viúva e o órfão”. Ele é o estrangeiro, o inimigo, o poderoso. O essencial é que
ele tem esta qualidade em virtude de sua própria alteridade. A exterioridade social é original e nos faz sair
das categorias de unidade e de multiplicidade que valem para as coisas. A
intersubjetividade é fornecida pelo Eros em que, na proximidade de outrem, é
integralmente mantida a distância. Aquilo que é apresentado como o fracasso da
comunicação no amor constitui precisamente a positividade da relação. Essa
ausência do outro é precisamente sua presença como outro. O outro é o próximo[105].
Na reciprocidade das relações, característica da civilização, a assimetria da
relação intersubjetiva é esquecida[106].
A reciprocidade da
civilização é um nivelamento da idéia de fraternidade, que é um ponto de
chegada e não um ponto de partida. Para se colocar na fraternidade e para ser
si mesmo o pobre, o fraco e o objeto de compaixão, é necessário intermediação
do pai, é preciso heterogeneidade do eu e de outrem. Esta heterogeneidade e
esta relação entre os gêneros – a partir das quais a sociedade e o tempo devem
ser entendidos – levam-nos ao limiar de uma outra obra. Ao cosmos, opõe-se o
mundo do espírito, onde as implicações do Eros não se reduzem à lógica do
gênero, onde o eu se substitui ao mesmo e o outrem ao outro. É no Eros que a
transcendência pode ser pensada de uma maneira radical. A intersubjetividade
assimétrica é o lugar de uma transcendência na qual o sujeito, ao mesmo tempo
em que conserva sua estrutura de sujeito, tem a possibilidade de não retornar
fatalmente a si mesmo, de ser fecundo[107].
Ter tempo e ter uma
história é ter um futuro e um passado. Não temos presente. Ele nos foge das
mãos. É no presente que estamos e que podemos ter passado e futuro. Este
paradoxo do presente - tudo e nada – é velho como o pensamento humano. A
filosofia moderna tentou resolvê-lo, perguntando-se se é no presente que
estamos, e contestando essa evidência. O presente puro seria uma abstração: o
presente se lança em direção do futuro. Supor a existência humana como tendo
uma data, como colocada num presente, seria lançá-lo no tempo dos relógios. A
preocupação em restituir-lhe no ser um lugar fora de série e independente das
categorias que valem para as coisas, anima toda a filosofia moderna. Mas nessa
preocupação, o presente, encontrou-se englobado no dinamismo do tempo,
definindo-se por um jogo de passado e de futuro. A existência humana comporta
um elemento de estabilidade: ela consiste em ser o sujeito de seu devir[108].
O instante presente
constitui o sujeito que se põe, ao mesmo tempo, como senhor do tempo e como
implicado no tempo. O presente é o começo de um ser. A verdadeira
substancialidade do sujeito consiste em sua substantividade; no fato de que não
há apenas, anonimamente, ser em geral, mas que há seres suscetíveis de nomes. O
instante rompe o anonimato do ser
CAPÍTULO 3
Alteridade
Caminho
Alternativo à Violência
3.1.
Introdução
No primeiro capítulo foi apresentada uma panorâmica do
fenômeno da violência sob os enfoques da antropologia cultural, psicanálise e
história. No segundo capítulo, os principais elementos da obra “Da Existência
ao Existente” foram destacados com a finalidade de oferecer elementos para uma
saída ética ao drama da violência. Nesta obra em particular de Lévinas está
como que um despertar para a questão da Alteridade. Esta vai se constituir no
seu mais importante e radical caminho alternativo à violência. Lévinas funda
uma nova antropologia. Uma antropologia e uma ética do outro ser humano,
separada do poder totalitário do ser e do “Eu”, afastando-o da violência e
direcionando-o para a paz.
Lévinas
propõe um tipo novo de humanismo, aberto ao infinito e responsável pelo outro.
Aqui, a exigência ética é proposta como o sentido profundo do homem que o eleva
ao humano como realização e destino individual como social. A ética filosófica
ocidental propõe na dimensão individual a idéia de luta pela sobrevivência e
satisfação das necessidades básicas, impondo-se ao peso do existir. Trata-se de
luta para obter um espaço no mundo da economia e da sociedade, rompendo o cerco
da solidão e da evasão. Trata-se também de luta pela emancipação e autonomia na
esfera educativa e política. Há também uma luta pela possibilidade de existir
contra a angústia da morte sempre iminente. Enfim, trata-se de luta pela
sobrevida na perspectiva da imortalidade, contra a queda na impessoalidade ou
no nada[111].
O
ponto de partida de Lévinas é a afirmação de que a ética instaurada tem por
base a velha ordem do ser. Esta não serve mais para nortear a sociedade. É
necessária uma ruptura profunda da velha ordem constituída em ser-poder-saber.
Tal ruptura levará a uma nova afirmação do ser humano. Este encontra seu
sentido maior na relação com o outro homem, com o próximo. Singularidade
irredutível de cada homem, com seu valor único, que precede sua universalização
do saber e na política; a ética instaura-se na relação inter-humana, a ética é
o sentido profundo do humano e precede a ontologia[112].
Como
se dá esta ruptura? O saber é uma relação do mesmo com o outro em que o outro é
reduzido ao mesmo e despojado do seu ser em si ou alteridade. Com isto, conduz
tudo à imanência. Lévinas rejeita essa visão tradicional de consciência
racional. O saber construído na relação ontológica é mediado pelo ser. O outro
perde sua especificidade de outro quando pensado na interioridade da
consciência e no modo da temporalidade que privilegia o presente. Lévinas
substitui a subjetividade pensada como fria racionalidade pela moralidade do
homem que não se frustra ao apelo do vindo do outro. Propõe o retorno ao
concreto da relação inter-humana como base incontornável para pensar a ética[113].
Lévinas
propõe que a relação com o outro deve ser antevista como relação que supera os
quadros ontológicos. Isso porque o pessoal concreto conta mais que o geral
abstrato. Trata-se de instaurar rupturas: com o estruturalismo, que submete o
indivíduo às estruturas impessoais das engrenagens sociais e da linguagem; com
o marxismo, que submete o homem às estruturas gerais do socioeconômico
coletivo; e com a psicanálise, na qual o eu fica submerso nas tramas do
inconsciente e das pulsões libidinais ou tanáticas. Problemas bem concretos
obrigam a unir pensar e fazer, reflexão e ação. Não é no ser e na totalidade
que se vão encontrar luzes para a questão do sentido da existência e da
convivência[114].
3.2.
Intuições Filosóficas
Dentre as grandes
intuições filosóficas da proposta ética de Lévinas se destacam: a ruptura com
os parâmetros éticos da tradição ocidental; a separação dos entes; a afirmação
da subjetividade individual como ponto extremo em que se refugia e sustenta a
moral; a relação inter-humana entre eu e outro como a brecha fundamental que
precede a ontologia; o rigor fenomenológico-especulativo com que elabora o
entendimento da transcendência da relação onde aparece a alteridade[115].
Vejamos a título de síntese algumas destas intuições filosóficas de Lévinas.
3.2.1. Ruptura com os Parâmetros Éticos
da Tradição Ocidental
Lévinas rompe com os
parâmetros éticos da tradição ocidental. Ele critica o modo ontológico e
helenístico de pensar do ocidente, onde tudo se resume ao eu, ao ser e ao
mesmo. Nesta concepção não há lugar para o outro como outro. O outro é sempre
reconhecido como igual ao eu, ao mesmo ou o que ele denomina ipseidade.
A ética ocidental sempre
foi pensada a partir do ser e do eu, dentro do domínio da Ontologia-Metafísica.
Ela caracterizou-se pela autonomia do Eu e pela ontologia da totalidade. Nesta
ética não havia lugar para o outro. Quando outro era reconhecido, o era como
igual ao Eu mesmo. O ser era visto como princípio a partir do qual tudo podia
ser compreendido, não havia separação entre o eu e o outro. Na autonomia o
outro não era reconhecido como tal. O outro era absorvido pelo eu. O outro era
reduzido ao eu, ao mesmo. Assim, a crítica de Lévinas é que a ética ocidental
sempre foi pensada a partir do eu e do ser. Lévinas propõe uma ética que tenha
como fundamento a responsabilidade e a heteronomia[116].
3.2.2. A Separação dos Entes
A ética levinasiana
estabelece de imediato a separação dos entes. O Eu e o Outro estão totalmente
separados. Há exterioridade total entre eles. Só desta forma o eu pode
reconhecer o outro como diferente; daí entender o sentido da alteridade. A fim
de evitar este aprisionamento do outro pela ontologia, que caracterizam o
pensamento helênico, Lévinas se pauta nas categorias do pensamento judaico. É
um pensamento que respeita a exterioridade, o Transcendente, que torna
impossível a absorção do Outro pelo ser ou pelo Eu. Na relação ética, o outro e
o eu são entes totalmente separados, não havendo nenhuma possibilidade de
reversibilidade.
Contrapondo ao princípio
da unidade de pensar ocidental, Lévinas defende que os entes humanos são
completamente separados uns dos outros. Cada ente constrói sua ipseidade sem se
referir a nada. A única maneira do “eu” ser “eu” é na exterioridade. Não se
pode reduzir tudo ao ser e ao mesmo. A forma de superar este reducionismo é
pelo encanto e pelo apreciar das coisas do mundo. O humano se estrutura neste
deixar acontecer. Lévinas afirma que no ato de apreciar e vivenciar cada
instante da existência sem utilitarismo e em pura perda, sem se referir a nada,
em puro desperdício, está o autenticamente humano. A sensibilidade e a
corporeidade se contrapõem, nesta trama, à consciência reflexiva, ao Eu, ao
Mesmo e à Identidade de si. Portanto, o eu e outro não podem ser unidos, eles
se constituem na separação[117].
3.2.3. O Lugar da Origem e Intimidade
Se o eu e o outro são
separados, como estabelecer uma relação de modo que o eu reconheça o outro como
outro? Lévinas usa a analogia da casa. O homem apesar de manter-se no mundo tem
na casa sua origem e intimidade. A mulher é que vai tornar a casa em habitação,
abrigo acolhedor, espaço de intimidade e doçura. A casa é fundamental para a
existência humana, pois favorece a intimidade e a subjetividade. Ela é
expressão do sentido de separação: pode ser tanto fechamento em si, interiorização,
como abertura à hospitalidade ao que é exterior. A habitação e a intimidade da
morada que torna possível a separação do ser humano supõe assim uma primeira
revelação de outrem.
3.2.4. O Rosto, Infinito e Alteridade
Parte do pensamento de
Lévinas está centrado no rosto e se apresenta como um pensamento do infinito. É
o desejo insaciável pelo outro que nos remete à transcendência e à alteridade.
É um desejo “metafísico”, pois vai para além do ser. No rosto o outro deixa um
excesso de significação pelo qual o Infinito vem a idéia. Esse é o enigma do
rosto. O rosto se manifesta sem se revelar completamente. O termo usado por
Lévinas é epifania para expressar a originalidade do rosto. Ele indica uma
realidade que não está presente nele. O
enigma está na abertura ao transcendente. O rosto do outro não se deixa
sintetizar, pois está numa ordem além do presente e do ser. Relacionar-se com o
outro nesta dimensão é relacionar-se com o infinito. Assim, o rosto do outro,
nas suas mais diversas expressões, não pode ser reduzido ao tu, pois a
excelência da eleidade[118]
não está na presença e sim na transcendência irreversível[119].
Em Lévinas a reflexão
sobre com o rosto não é uma descrição minuciosa de suas partes, nem os modos
como ele se apresenta fisicamente, com olhos, nariz e boca. O rosto não se
constitui num dado que possa ser descrito e para daí estabelecer seu sentido. A
idéia de rosto que Lévinas defende significa a transcendência ou a alteridade
de modo absoluto. O rosto exprime a própria transcendência, que não pode ser
atingida por uma reflexão teórica, nem por qualquer tipo de prática. A
transcendência se dá como um movimento de abertura do “Eu” para com o outro. A
impossibilidade de apropriação e posse do infinito indica uma modelo possível
para estabelecer as relações inter-humanas. Assim como o desejo do infinito
nunca será satisfeito assim também o desejo do outro próximo. A abertura para o
outro que o desejo manifesta deve acontecer como pura bondade. O outro que se
apresenta ao “Eu” como próximo suscita uma atitude de generosidade para com
ele. O próximo outro não se constitui em alguém que o “Eu” pode ver, falar e
saudar. O “Eu” pode enxergar o outro e tentar possuí-lo. A sugestão de Lévinas
vai numa outra direção. Ele propõe uma orientação para o outro de uma maneira
desinteressada, generosa, onde a posse do mundo possa ser oferecida a outrem. A
transcendência do rosto pode assumir um modo concreto na dimensão do humano,
que é capaz de oferecer sua casa com todos os seus bens como hospitalidade para
o outro ser humano. Abrir a casa para o outro é a atitude adequada para um eu
manifestar a sua dimensão de transcendência. A hospitalidade já indica a
abertura original do eu que se estrutura como receptividade e doação. A
transcendência se constitui como uma doação ao outro e não como uma visão do
outro ou posse do outro. Como diz o próprio Lévinas, a transcendência não é uma
visão de outrem, mas uma doação original. Uma doação que se concretiza na
aproximação aconchegante, no olhar receptivo, no abraço carinhoso, no dizer
bem-vindo. Através de hospitalidade o “Eu” dirá: “estão aqui minhas coisas,
pode dispor à vontade, de que necessita”. Esta abertura ao outro constitui o
ser do humano que age esquecido de si próprio. É nessa perspectiva de
acolhimento hospitaleiro que o humano pode apresentar a dimensão de sua
existência, como uma espécie de abertura no ser. A doação que ele faz ao outro
dos seus bens e de si mesmo significa uma transcendência do seu modo de ser
fechado e interessado por si mesmo. A doação original estabelece uma outra
compreensão de ser humano. Esta por sua vez inaugura uma nova perspectiva de
compreensão da ética. A identidade do ser humano assume uma outra significação
à medida que ele é considerado na sua condição de ser ético. A prioridade que
ele dá ao outro em relação a si constitui uma nova maneira de referir-se a ele
como ser humano. Contudo, não podemos imaginar que o dar prioridade ao outro
signifique uma negação ou diminuição da importância do eu, do si mesmo, do ser
humano. Muito ao contrário, significa a possibilidade de afirmar a sua
humanidade como a verdadeira identidade do homem. É nesse sentido que o homem
todo passa a significar o rosto e afirmar a sua pessoalidade como algo único,
distinto das outras coisas. A prioridade dada ao outro, marca um horizonte de
entendimento do ser humano constituído fundamentalmente pela ética[120].
O que interessa a Lévinas
é a percepção do rosto como a revelação mais profunda do humano, capaz de
expressar a sua identidade de ser pessoal e a abertura para outro: o rosto não
é a junção de um nariz, de uma fronte, dos olhos. Ele é tudo isso, mas toma a
significação de um rosto pela dimensão nova que ele abre de um ser. Pelo rosto,
o ser não é somente fechado na sua forma ele é aberto, se instala
Outro aspecto da ética de
Lévinas referente ao conceito de rosto é a responsabilidade. O apelo do outro
se torna irresistível. Trata-se de um imperativo ao eu que não tem outra
escolha senão se responsabilizar pelo outro. O bem do outro sempre se impõe e
elege o “Eu”. Não é uma escolha do “Eu”, nem o Eu assume essa eleição. No
entanto, o “Eu” é eleito desde sempre para ser responsável pelo outro. Mas essa
eleição, da qual o “Eu” não pode furtar-se, não é uma violência, porque ela vem
do Bem. Trata-se de uma eleição que não o torna titular de um privilégio, mas
de uma responsabilidade. Ante o abandono do outro não resta alternativa senão a
responsabilidade. Todos os seres humanos são responsáveis por tudo e por todos
não obstante, ter ou não atuado diretamente sobre o bem ou o mal que acometeu
determinada pessoa ou circunstância[122].
Para Lévinas há uma
diferença entre ensinamento e conhecimento. O conhecimento engloba o conhecido
sem haver nada de novo. Já o ensinamento, vindo da exterioridade, traz uma
palavra de mestre que transcende. O outro é mestre por excelência, pois ensina
a transcendência. Toda verdade a respeito do mundo só tem sentido se tiver
unido e obediente a uma verdade transcendente. Assim, a verdade é um
ensinamento da transcendência. O rosto do outro, na perspectiva do ensinamento
de mestre está mais elevado que eu. O “Eu” não é o senhor do mundo. Assim, a
própria liberdade não tem a última palavra, o “Eu” não está sozinho. O mandamento
revela a alteridade do outro, de tal forma que o autor não a concebe senão
essencialmente ligada ao mandamento. Segundo Lévinas, isto ocorre de tal forma
que é impossível existir alteridade que não seja mandamento. Portanto, Lévinas
funda uma nova antropologia do outro homem, separada do poder totalitário do
ser e do “Eu”, afastando-o da violência e direcionando-o para a paz[123].
Enfim,
a relação com o “outro” dá uma idéia de quão infinito é o “outro ser humano” em
proporção à idéia que o representa como conhecimento captado pela inteligência.
Respeitar o “outro ser humano” é colocá-lo em frente como um ser diferente,
distante que não pode ser capturado pelo toque das mãos ou pelo olhar do mesmo.
O “rosto do Outro ser humano” é sua forma de “apresentar-se”. O “rosto” na
relação “face-a-face” supera a idéia que o “eu” tem do “outro”. O face-a-face
supera em originalidade e radicalidade a idéia que se pode ter do infinito do
“ser humano” captado pela inteligência ou sentidos. O que vem do Outro como
exterioridade, como idéia do infinito, como rosto e como ensino põe em crise o
“Eu”. O que vem do Outro questiona e acusa a liberdade individual, ingênua e
fechada em si[124].
3.3.
Alteridade
Segundo
Lévinas, a alteridade absoluta do outro instante, situado depois do intervalo
da inconsciência, constitui o tempo como relação com o “outro”. É uma alteridade exterior ao instante do
“eu”, exterior ao próprio “eu” e à sua capacidade de contemplação. O sujeito,
que sempre é desafiado por um novo instante descontínuo com relação a seu
presente, não é um sujeito isolado; ele move na intersubjetividade frente a
outros, distintos dele. O começar frente a “um outro”, “outro” que não é o “eu”
e o “outro diferente”, desconhecido, não-familiar. O “outro”, enquanto outro,
não é somente um alter-ego. Ele é o que eu não sou: ele é o débil enquanto eu
sou o forte. Trata-se do pobre, da viúva e do órfão, ou então é o estrangeiro,
o inimigo, o poderoso[125].
A
relação com o outro é face-a-face, anterior a toda anterioridade e desprovida
de toda mediação, de todo intercâmbio e de toda reciprocidade. A alteridade do
tempo presente vem de outro tempo diacronicamente situado depois de um
intervalo de inconsciência e para além da alteridade do “eu”, vem de outro
rosto assimetricamente situado para além de toda identidade por similitude,
vizinhança, conhecimento, etc. Para o tempo presente e para o “eu” – abrem-se
um “para além de” “de modo diferente que”. O “para além” e o “de modo
diferente” são as portas de saída por onde o “eu” fechado em seu si-mesmo e
preso num eterno presente pode sair-de-si e ficar referido a outro diferente,
em que a existência poderá ser diferente: um eu-diferente face-a-face com o
Outro-diferente. O outro por excelência é o feminino e de que a relação
intersubjetiva mais típica e originária é a familiar, em que se encontram três
diferentes rostos na relação do face-a-face, a saber: o pai, a mãe e o filho[126].
Conclusão
O presente trabalho numa
primeira etapa procurou situar a questão da violência pela via da causalidade.
Destacou e analisou as heranças históricas, o arcabouço cultural, político,
psicossocial e individual da violência. O ser humano quer no plano individual
ou coletivo por vezes se apresenta como máximo inimigo do outro ser humano. A
violência se configura como um círculo vicioso do qual parece impossível sair.
Neste ponto apresentamos a reflexão de um importante filósofo do século XX,
Emmanuel Lévinas. Seu trabalho reflexivo visou justamente encontrar uma saída
para este aparente “sem saída” onde se colocou o ser humano, sobretudo no
Ocidente.
O segundo momento foi a
releitura da obra “Da Existência ao Existente”. Ela trata do problema da
existência, do mundo e do tempo, o problema da intencionalidade e da
consciência. O Ocidente foi aprisionado pelo que ele denomina de “il y a” (há),
metáfora da absoluta impessoalidade gerada pelo ser. O descobrimento e a
descrição fenomenológica do “il y a” permite a Lévinas assinalar a necessidade
de pensar numa saída ética ao egoísmo ontológico que precipitou o Ocidente na
era da guerra total.
Segundo
Lévinas, o Ocidente é a terra do ser, e este é o impessoal “il y a” que se
realiza num processo anônimo, sem saída, indiferente e sem sentido. As
metáforas da insônia e do ruído do silêncio expressam isso de maneira
privilegiada. O esforço de “Da Existência ao Existente” é o de encontrar uma
experiência que possa propiciar uma saída deste sem saída que é o “il y a”. A
saída do anônimo “il y a” do ser é saída para um diferentemente de ser, saída
da existência anônima para o existente que carrega um nome. É o anúncio de uma
saída ética da ontologia. Em primeiro lugar, em “Da Existência ao Existente”, o
há se desprende de uma fenomenologia da fadiga e da preguiça. Ao final do
livro, evidencia-se a verdadeira saída do “il y a” (há) está no ser para o
outro que introduz um sentido no não-sentido do “il y a” há.
A
saída de si está na responsabilidade pelo “outro”, em ocupar-se do “outro”,
está em pensar no “outro”, em sua vida e em sua morte, antes de preocupar-se
consigo mesmo. A responsabilidade pelo outro é o bem, conteúdo ético por
excelência, e o filosoficamente primeiro, anterior a toda anterioridade.
O
tema da ética, presente na obra “Da Existência ao Existente” se esforça por
entrar em diálogo crítico com o Ocidente ontológico. Ele propõe uma saída ética
para as a inquietudes existenciais que caracterizavam o ocaso do pós-guerra.
Lévinas separar-se da ontologia e do ser como horizontes fenomenológicos de
compreensão e de constituição dos entes. Desta forma, ele sai da subjetividade
fechada e que gira em redor de si, bem como da intersubjetividade que espelha a
si e é concretizada na forma de egoísmo. Propõe uma reconstituição ética da
subjetividade e da intersubjetividade como “ser para o outro”. O “ser para o
outro” é o conteúdo ético por excelência e o filosoficamente primeiro,
anterioridade anterior a toda anterioridade, proposta ao Ocidente pela via do
diálogo.
Alteridade
é o conceito maior da ética de Lévinas, do latim “alter”, significa “o outro”,
“o diverso da identidade”. O “outro” é o que é exterior ao “eu”, é o que eu "não
sou", abrindo a possibilidade do diálogo e inter-subjetividade. A
alteridade é o meio pelo qual o ser humano redime a si mesmo. O rosto do outro
se apresenta como alguém que interpela, que torna o “eu” responsável por ele
antes mesmo do próprio “eu” fazer esta escolha. O “ser-para-o-outro” constitui
a máxima ética que coloca a responsabilidade antes da liberdade pessoal. Ela a
redefine, pois a liberdade não termina
quando começa a dos outros, mas sim é garantida pela liberdade dos
outros. O rosto do outro, que não é o Mesmo, é palavra que ensina e é
mandamento que proíbe a violência.
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[1] Cf.: RODRIGUES. J. H. Conciliação e Reforma, um Desafio
Histórico-Cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p. 29.
[2] Cf.: RODRIGUES. J. H. Idem, p. 32.
[3] Cf.: ALGRANTI, Leila Mezan. O Feitor Ausente. Petrópolis: Vozes,
1988, p. 21; VAINFAS, Ronaldo. Ideologia
e escravidão: os letrados e a sociedade escravista no Brasil colonial.
Petrópolis: Vozes, 1986, p. 42.
[4] Cf.: GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada, São Paulo:
Ática, 1990, p. 24-26.
[5] Cf.: GORENDER, Jacob. Idem, p. 95-96.
[6] Cf.: VAINFAS,
Ronaldo. Op. cit. p. 42-44.
[7] Cf.: ALGRANTI, Leila Mezan. Op. cit.,
p. 21.
[8] Cf.: DA MATTA, Roberto. O Que Faz o brasil, Brasil? Rio de
Janeiro: Editora Rocco, 1986, p. 94-95.
[9] Cf.: ZULUAR, Alba. A criminalização de Drogas e o
Reencantamento do Mal. ln: Revista do Rio de Janeiro, UERJ, n. 1, 1993, p.
8-15.
[10] Moscatelli apresenta de forma
contundente o dia-a-dia do povo incriminado e uma descrição do criminoso comum
e do delinqüente político. Cf.: MOSCATELLI, L. Política da Repressão. Força e Poder de uma Justiça de Classe. Rio
de Janeiro: Editora Achiamé. 1982 p. 89-100. RIBEIRO, H. A identidade do Brasileiro: “Capado, Sangrado” e Festeiro.
Petrópolis: Vozes, 1994, p. 16.
[11] Cf.: MOSCATELLI, L. op. cit. p.
50. RIBEIRO, H. op. cit. 1994, p. 17.
[12] Cf.: ZALUAR, Alba. Estatísticas Macabras. In: Jornal do
Brasil de 1/9/1994, p. 11.
[13] Cf.: AMORETTI R. (org). Psicanálise e Violência. Petrópolis:
Vozes, 1992, p. 25.
[14] Cf.: MOSCATELLI, L. op. cit., p. 105.
[15]
Cf.: Ibidem, p. 106.
[16] Cf.: MOSCATELLI, L. op. cit. p. 105-107.
[17] Cf.: NUTTIN, J. Psicanálise e Personalidade. Uma teoria dinâmica da personalidade
normal dentro de uma concepção espiritualista do homem. Rio de Janeiro:
Editora Agir, 1972, p. 70- 72. FREUD, S. Obras
Completas. Vol. 5. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
[18] Cf.: LORENZ, Konrad.
A Agressão uma História Natural do Mal.
Editora Ciência, 1992, p. 30.
[19] Cf.: GIRARD, René. A Violência e o Sagrado. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1990, p. 177-178.
[20] Mimético etiologicamente vem de
mimesis e significa imitação. O ser humano deseja o que o outro deseja. Um ser
humano imita o outro no desejo.
[21] Cf.: GIRARD, René. Op. cit., p. 180.
[22]
Cf.: GIRARD, René. Op. cit., p. 195.
[23] Cf.: Idem, p. 102-103.
[24] Cf.: Ibidem, p. 104.
[25]
Cf.: GIRARD, René. Op. cit., p. 108.
[26] Cf.: GIRARD, René. Idem, p. 389.
[27] Cf.: COMBLIN, José. Neoliberalismo - Ideologia dominante na
virada do século. Petrópolis: Vozes. 2000, p. 104-107. HINKELAMMERT, Franz
Josef. As armas ideológicas da morte.
São Paulo: Paulinas. 1983, p. 152.
[28] Cf.: COMBLIN, José. Op. cit., p. 125.
[29]
Cf.: GIRARD, René. Op. cit., p. 186-187.
[30] Das 74 guerras internacionais
travadas entre 1816 e 1965, classificadas por especialistas americanos pelo
número de vítimas, as quatro primeiras ocorreram no século XX: as duas guerras
mundiais, a guerra do Japão contra a China (1937-1939), e a Guerra da Coréia.
Cada uma delas matou mais de um milhão de pessoas
[31] Cf.: OLIVEIRA,
Manfredo A. (org). Correntes fundamentais
da Ética. Contemporânea. 2ª Edição, Petrópolis: Vozes, 2001, p. 79.
[32] Cf.: BONAMIGO, G. F. Primeira Aproximação à Obra de Emmanuel
Lévinas, p. 79-80.
[33] Cf.: COSTA, M. L. Lévinas, uma introdução. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 47.
[34] Cf.: BONAMIGO, G. F. op. cit., p.
80-81.
[35] Cf.: MORO, Ulpiano Vazquez. Una interpretación de Emmanuel Lévinas.
Montevidéu: Encuentro, v. 37, 1985, p. 127-133.
[36] Cf.: BONAMIGO, G. F. op. cit, p. 82.
[37] Cf.: BONAMIGO, G. F. op. cit, p.
83-84.
[38] Cf.: Ibidem, p. 84-85.
[39] Cf.: Ibidem, p. 85.
[40] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 41-42.
[41] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 43.
[42] Cf.: Ibidem, p. 73-74.
[43] Cf.: ibidem, p. 74.
[44]
Cf.: LEVINAS, E. Da Existência ao
Existente. Campinas: Papirus, 1998, p. 32-33.
[45]
Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 35.
[46] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 74.
[47]
Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 36.
[48]
Cf.: Ibidem, p. 37.
[49] Cf.: COSTA, M. L. Lévinas, uma
introdução, p. 74.
[50] Cf.: LÉVINAS, E. Da Existência ao
Existente, p. 48.
[51] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 114.
[52] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 48.
[53]
Cf.: Ibidem, p. 41-42.
[54]
Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 44.
[55]
Cf.: Ibidem, p. 44.
[56] Cf.: Ibidem, p. 46.
[57] Cf.: Ibidem, p. 49.
[58] Cf.: Ibidem, p. 53-55.
[59] Cf.: Ibidem, p. 61-62.
[60] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 65.
[61] Cf.: Ibidem, p. 68.
[62] Cf.: Ibidem, p. 69.
[63] Cf.: Ibidem, p. 70.
[64] Cf.: Ibidem, p. 71.
[65] Cf.: Ibidem, p. 72.
[66] Cf.: Ibidem, p. 73.
[67] Cf.: Ibidem, p. 74.
[68] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 71-72.
[69] Cf.: Ibidem, p. 72-73.
[70] Cf.: Ibidem, p. 75-76.
[71] Cf.: Ibidem, 2000, p. 76.
[72] Cf.: Ibidem, p. 76.
[73] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 77.
[74] Cf.: COSTA, M. L. Ibidem, p. 78.
[75] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 79.
[76] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 79.
[77] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 80.
[78] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 81-82.
[79] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 81.
[80] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 83.
[81] Cf.: Ibidem, p. 85.
[82] Cf.: Ibidem, p. 86.
[83] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 82.
[84] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 87.
[85] Cf.: COSTA, M. L op. cit, p. 47.
[86] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 88.
[87] Cf.: Ibidem, p. 88.
[88] Cf.: Ibidem, p. 91.
[89] Cf.: Ibidem, p. 92.
[90] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 93.
[91] Cf.: Ibidem, p. 94.
[92] Cf.: Ibidem, p. 97.
[93] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 91-92.
[94] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 99.
[95] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 85.
[96] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 103.
[97] Cf.: Ibidem, p. 104.
[98] Cf.: Ibidem, p. 105.
[99] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 106.
[100] Cf.: Ibidem, p. 107.
[101] Cf.: Ibidem, p. 108.
[102] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 109.
[103] Cf.: Ibidem, p. 110.
[104] Cf.: Ibidem, p. 111.
[105] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 113.
[106] Cf.: Ibidem, p. 114.
[107] Cf.: Ibidem, p. 114.
[108] Cf.: Ibidem, p. 115.
[109] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 116.
[110] Cf.: Ibidem, p. 117.
[111] Cf.: OLIVEIRA, Manfredo A. (org).
Correntes fundamentais da Ética. Contemporânea. 2ª Edição, Petrópolis: Vozes,
2001, p. 80.
[112] Cf.: OLIVEIRA, Manfredo A. (org). op.
cit, p. 81.
[113] Cf.: OLIVEIRA, Manfredo A. (org). op.
cit, p. 82.
[114] Cf.: Ibidem, p. 84.
[115] Cf.: Ibidem, p. 85.
[116] Cf.: OLIVEIRA, Manfredo A. (org). op.
cit, p. 85.
[117] Cf.: COSTA, M. L. Lévinas, uma
introdução. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 146.
[118] Neologismo que significa ele mesmo.
[119] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 112.
[120] Cf.: SOUZA, J. T. B. de. Ética como Metafísica da Alteridade
[121] Cf.: SOUZA, J. T. B. de. op. cit,, p.
145.
[122] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 124.
[123] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 125.
[124] Cf.: Ibidem, p. 126.
[125] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 92.
[126] Cf.: Ibidem, p. 93.