terça-feira, 29 de junho de 2021

ALTERIDADE VERSUS VIOLÊNCIA UMA ABORDAGEM A PARTIR DA OBRA “DA EXISTÊNCIA AO EXISTENTE” DE EMMANUEL LÉVINAS

 

 

ALTERIDADE VERSUS VIOLÊNCIA

UMA ABORDAGEM A PARTIR DA OBRA

“DA EXISTÊNCIA AO EXISTENTE”

DE EMMANUEL LÉVINAS


2008

LUÍS HENRIQUE ALVES PINTO

 


 

Guaratinguetá, 13 de dezembro de 2008.

                                                                                                                             

Resumo

 

O ser humano é um ser de relações.  Os relatos mais antigos, mesmo de ordem mitológica, atestam o extraordinário fascínio diante do outro. Na busca por sobreviver, em meio a um ambiente hostil, congrega-se e cria grupos. No impulso erótico e afetivo, procria e gera laços. No maravilhar-se ante ao absolutamente Outro, cala-se reverente e faz festa exultante. Mas, por outro lado, o mesmo ser humano vê o outro com sentimentos de rivalidade e hostilidade. Assim, se depara com a insana violência do preconceito, fundamentalismo, escravidão, exclusão e guerra. O tema a ser estudado será a questão da Alteridade versus violência a partir da obra “Da Existência ao Existente” de Emmanuel Lévinas. Os objetivos do presente trabalho são: pesquisar e elencar os principais desafios da realidade quanto à intolerância e violência em suas várias manifestações; Pesquisar e apresentar de forma clara a relevante proposta de Lévinas sobre a alteridade; confrontar o princípio da alteridade de Lévinas com os desafios da realidade de intolerância e violência. A Metodologia empregada pretende ser a dialética, investigando a realidade da violência e confrontando-a com o referencial teórico da alteridade de Lévinas para chegar a princípios norteadores de interferência na mesma realidade. O levantamento de dados será efetuado através de pesquisa bibliográfica.  A relevância do trabalho está na reflexão sobre o conceito de alteridade exposto na obra “Da Existência ao Existente”. O foco da filosofia para Lévinas não está mais na questão ontológica e sim na ética. Ao imperativo que ordena ao indivíduo agir frente ao outro como gostaria de ser tratado, Lévinas propõe o próprio outro como fonte da conduta adequada. Já não é mais a própria liberdade que termina quando começa a dos outros, mas sim que ela é garantida pela liberdade dos outros. O princípio da alteridade superaria o princípio da totalidade, raiz das ações violentas.

 

 

   

Palavras-chave: Violência, Alteridade, Lévinas, Ética, Existente.

 

SUMÁRIO

 

Introdução ......................................................................... 7

1. O Fenômeno da Violência ........................................ 10

1.1. Causas Históricas da Violência ............................. 11

1.2. As Causas Culturais da Violência ........................ 13

1.3. As Causas Políticas da Violência ...........................15

1.4. As Causas Psicossociais da Violência ..................16

1.5. As Causas Individuais da Violência ........................19

2. Uma Leitura da Obra “Da Existência ao Existente”.......................................................................... 26

2.1. Introdução ...................................................................... 26

2.1.1. O Horizonte de Lévinas e de sua Obra ................................. 26

2.1.2. Classificação das Obras ......................................................... 28

2.1.3. Características da Obra de Lévinas ...................................... 29

2.2. “Da Existência ao Existente” ................................... 30

2.2.1. A Relação com a Existência e o Instante .............................. 31

2.2.2. O Mundo ................................................................................... 33

2.2.3. Existência Sem Mundo ........................................................... 34

2.2.4. A Hipóstase ............................................................................. 36

2.2.5. Em Direção ao Tempo ............................................................ 42

3. Alteridade Caminho Alternativo à ViolênciA ................................................................................................. 48

3.1. Introdução ...................................................................... 48

3.2. Intuições Filosóficas ................................................. 50

3.2.1. Ruptura com os Parâmetros Éticos da Tradição Ocidental 50

3.2.2. A Separação dos Entes ...........................................................51

3.2.3. O Lugar da Origem e Intimidade ............................................ 52

3.2.4. O Rosto, Infinito e Alteridade ..................................................52

3.3. Alteridade ....................................................................... 57

Conclusão ........................................................................ 59

rEFERÊNCIAS bIBLIOGRÁFICAs ...................................... 62

 


 

Introdução

 

 

O ser humano é um ser de relações.  Os relatos mais antigos, mesmo de ordem mitológica, atestam o extraordinário fascínio diante do outro. Na busca por sobreviver, em meio a um ambiente hostil, congrega-se e cria grupos. No impulso erótico e afetivo, procria e gera laços. No maravilhar-se ante ao absolutamente Outro, cala-se reverente e faz festa exultante. Mas, por outro lado, o mesmo ser humano vê o outro com sentimentos de rivalidade e hostilidade. Assim, se depara com a insana violência do preconceito, fundamentalismo, escravidão, exclusão e guerra.

Atualmente há ainda uma última preocupação, a de zelar pela casa comum, o próprio planeta Terra. A afirmação do racionalismo, o processo de industrialização, a vontade de poder e domínio fizeram com que o ser humano impusesse um modelo de desenvolvimento que suga de modo exaustivo todos os recursos da Terra e coloca-se em risco sua própria vida. A Terra manifesta-se também como outro diante do qual nos deparamos.

Ao longo da história, o ser humano buscou elementos capazes de fortalecer a experiência coletiva de sobrevivência, salvaguardar os laços afetivos e aproximar-se do transcendente. Desde as mais rudimentares normas de convivência, os pactos sociais, imperativos de moralidade religiosa há um fluxo, tanto de aprimorar a convivência como a tentativa de livrar a humanidade da autodestruição. Perguntamo-nos, haveria na história da reflexão filosófica ocidental um paradigma ético capaz de tratar de forma consistente a experiência humana diante do “outro”? Um princípio de ética filosófica, para além das normas morais das correntes religiosas, forte o suficiente para ser proposto ao ser humano neste nosso tempo e ordem globalizada?

O princípio da alteridade de Emmanuel Lévinas poderia ser este imperativo ético. A obra “Da Existência ao Existente” expõe elementos marcantes de sua filosofia que apresenta a ética como filosofia primeira: a fenomenologia da preguiça, do cansaço e do esforço que manifesta a luta entre existente e existência; a experiência do “há”; a hipóstase, pela qual o existente subjetiva a existência; e finalmente a alteridade, fenomenologia do “outro”. Enquanto a ontologia dá ênfase ao ser individual, a ética proposta por Lévinas coloca o outro como centro da reflexão. “Da Existência ao Existente” é uma obra escrita em sua maior parte nos anos em que Emmanuel Lévinas estava como prisioneiro, durante a Segunda Guerra Mundial. Este fato dá a ela uma densidade especial, pois confere um aporte hermenêutico relevante. Expressa o desejo de superação da máxima negação do outro vivida durante a Guerra, onde a violência e a intolerância são institucionalizadas.

A pertinência do tema está na angustiante constatação do agigantar-se da violência e da necessidade de encontrar um princípio ético norteador para a formação de uma nova humanidade. A relevância está no conceito de alteridade exposto na obra “Da Existência ao Existente”. Segundo Emmanuel Lévinas, o humano tratado como um nada, uma existência sem existente, somente poderia ser superada no ser-para-o-outro. Trata-se de um princípio ético de respeito à alteridade. A relevância apresenta-se ainda do ponto de vista social afirmando um princípio de superação da violência, onde o “ser para o outro” significa a responsabilidade ética por ele. Trata-se da deposição da soberania do Eu e da relação social com outrem de forma desinteressada. O tema da ética, presente na obra “Da Existência ao Existente”, se esforça por entrar em diálogo crítico com o ocidente ontológico. Ele propõe uma saída ética para as inquietudes existenciais que caracterizavam o ocaso do pós-guerra.

A metodologia empregada é a dialética. Ela investiga a realidade da violência e a confronta com o referencial teórico da alteridade de Lévinas para chegar princípios norteadores de interferência na mesma realidade. O processo de apresentação da tese, antítese e síntese visa elencar e descrever os dados da realidade histórica e cultural, analisar a proposta de Lévinas sobre a alteridade e finaliza com a síntese da proposta da ética da alteridade como filosofia primeira.

O levantamento de dados será efetuado através de pesquisa bibliográfica. Na primeira parte, tal pesquisa será indireta consultando obras que analisam a questão da violência, bem como os comentários referentes à obra de Lévinas. Na segunda parte, a pesquisa será diretamente na obra indicada de Lévinas. Uma síntese e uma análise de seus principais conceitos favorecerão a apresentação didática do pensamento do autor estudado. Finalizando, do confronto da realidade de violência com os pontos pertinentes da obra Lévinas se esboçará uma síntese das características de uma nova ética para uma um novo ser humano.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO 1

 

 

O Fenômeno da Violência

 

 

 

A violência é um fenômeno que parece ser crescente no mundo, particularmente nos países do Terceiro Mundo e no Brasil. O número dos excluídos é cada vez maior. Hoje é um luxo ser explorado pelo sistema do capital. Dentro do atual modelo de desenvolvimento econômico há uma compra da força de trabalho. A remuneração é uma pequena vantagem oferecida que deveria ao menos garantir um mínimo de seguridade social. Aos fatos conhecidos de assaltos de rua e em prédios, de seqüestros, de infanticídios e de chacinas por parte de grupos extermínio soma-se a exclusão social. A grande maioria dos países possui um modelo altamente predatório de capitalismo.  Quase a metade da população brasileira vive na exclusão. Esta parcela significativa de cidadãos está fora de qualquer benefício social. Isto também se configura como um estado de violência. São estruturas permanentes e continuadas de violência. Para melhor situar a questão da violência, serão apresentadas suas causas por cinco caminhos diferentes: o histórico, cultural, político, psicossocial e individual.

 

 

1.1. Causas Históricas da Violência

Uma primeira causa da violência, particularmente na América Latina, encontra-se em seu passado. Trata-se de todo o período de colonização ibérica que marcou estas terras. A colonização implica num ato de extrema violência organizada, sistemática e continuada. A violência da conquista e da invasão consiste em colocar toda uma nação, com sua população, cultura e tudo o que tem à depredação do outro. O colonizado assiste ao congelamento de sua história, é obrigado a internalizar a visão do “eu” que nega o “outro”. Trata-se de uma postura de afirmação do pólo de poder do “eu” e aniquilamento do “outro”, seus valores, a sua forma de ver o mundo, de organizar a sociedade, de pensar e venerar a divindade. A aceitação da dominação nunca foi pacífica. A história da América Latina está cheia de revoltas abafadas, mas nunca totalmente dominadas[1].

A história deste grande continente é marcada por um paradoxo. Por um lado, o grupo dominante sempre pautou suas opções por uma atitude antipopular. Alienados e conservadores, os que exerceram o poder nunca se reconciliaram com o povo. Nunca viram nele seu potencial, nunca reconheceram suas conquistas, pois sempre desejaram que ele fosse o que não é. Nunca viram suas virtudes nem admiraram sua cultura. Negaram seus direitos e arrastaram para a periferia, no lugar que achavam que lhes pertencia. Por outro lado, as maiores construções são fruto da ação popular[2].

O processo de colonização idealizou uma história sempre escrita apenas pela mão branca. Nela não falaram os negros, os índios, os mulatos, as mulheres e os pobres em geral. Neste processo de colonização pelo qual todos os países latino-americanos passaram algo se destacou como agravante da violência, a escravidão. Trata-se de um verdadeiro modo de produção escravagista onde acontece a maior violência que uma sociedade pode conhecer: a redução do outro a coisa, a escravo, exercendo sobre ele um senhorio de vida e morte. Particularmente no Brasil, convivemos com a escravidão durante praticamente quatro séculos. Tivemos apenas um século para desfazer suas perversas conseqüências. Os reflexos da escravidão encontram-se presentes ainda nos dias atuais. Alguns hábitos culturais e policialescos atualmente existentes têm suas raízes no período em que havia o escravo urbano. Este era alugado para serviços na rua e vigiado pela polícia no lugar do dono. Por isso, nos dias atuais a polícia comumente desconfia do negro e aplica-lhe violência quando o prende ou detém[3]. É importante lançar um olhar crítico sobre a moderna produção histórico-social do tema que pretende mostrar a escravidão em tons mais benevolentes. Casa-Grande e Senzala de Gilberto Freire, por exemplo, ao invés de rebeliões, resistência e acomodação, apresenta o regime escravocrata como eqüitativo e doce, na linha do patriarcalismo.  Os fatos mostram outros dados que desmistificam esta interpretação[4].

Na formação de uma sociedade urbana livre, o Estado se caracterizou por uma postura de violência na sua relação com os movimentos operários e sindicais. Maus tratos e torturas eram freqüentes contra operários e líderes sindicais. Muitos brasileiros foram desterrados para lugares distantes como Ilha Grande, Fernando de Noronha e estrangeiros foram devolvidos aos países de origem[5]. Há em tudo isso uma absurda contradição na sociedade brasileira: por um lado, não consegue criar emprego para todos; e por outro, prende, por vadiagem, aqueles que encontram na rua e que não conseguem mostrar uma carteira de trabalho assinada. O Estado detém o uso legítimo da violência. Mas aqui há um uso injusto e perverso que contradiz a legitimidade do Estado como Estado de Direito, fruto de um pacto social de cidadania[6].

A questão social foi, durante muito tempo, tratada como caso de polícia, e não como caso político. Essa violência histórica, na base da dominação do outro e de sua escravização, cristalizou-se na subjetividade coletiva das elites latino-americanas. Elas criaram a mentalidade de que o povo nada vale. O argumento apresentado é o da tradição, de que o negro deve ser tratado com violência, porque sempre foi assim. Ele não deveria receber nada, nem o salário mínimo, pois historicamente sempre serviu gratuitamente aos senhores. Eles entendem o salário como ato de generosidade por parte do patrão, e não como expressão de justiça. O mecanismo de violência social reside, primeiramente, nas estruturas mentais da classe dominante. A conquista da América Latina foi violenta, sobretudo com o índio, o negro, o trabalhador organizado e com todos os pobres até atualmente[7].

 

1.2. As Causas Culturais da Violência

Atualmente há uma cultura dominante, imposta pelos que historicamente domaram o povo latino-americano. O eixo estruturador dessa cultura é a vontade de poder e dominação. Usa-se uma dura violência como forma de manter a dominação e depois a doce, para garantir a hegemonia. É socialmente aceito o uso da violência nesse tipo de cultura dominante. Essa dominação obriga a três posturas: uma primeira é a atitude de subserviência para sobreviver, implicando a traição da própria história; outra seria a resistência, a rebelião e a clandestinidade, com a conseqüente possibilidade de perseguição, de prisão, de tortura e de morte; um terceiro o disfarce, o simulacro e o "Jeitinho". Este último busca a sobrevivência adaptando-se e aproveitando todos os espaços e contradições da dominação para manter e preservar a própria identidade[8].

Impera em muitos lugares uma cultura do medo. Trata-se de uma cultura por um lado da segurança dos grupos abastados, das grades, do exército paralelo de defesa dos donos do poder econômico. E por outro lado, das gangues, organizações de assaltantes e do crime organizado. Essas duas realidades se provocam gerando graves conflitos. Em meio a esta verdadeira guerra urbana está a maioria da população. Há ainda uma cultura da corrupção de colarinho branco. Há o mundo do crime organizado no estrato empresarial, no mercado e dentro do próprio aparelho de Estado. Violência esta que gera uma política nas estratégias e articulações. Essa política, para ser efetiva, necessita corromper a imprensa, a justiça, as autoridades de controle e a polícia. Há, também dialeticamente, um outro tipo de violência, que vem das organizações da criminalidade, baseadas na vontade de enriquecer por meio do crime ou mediante o tráfico de drogas, o jogo e a venda de armas e produtos importados. Esta é movida por propósitos individualistas de enriquecimento rápido e pela busca desenfreada de prazer. Aqui funcionam duas regras básicas: a da força bruta das armas de fogo, cada vez mais potentes e sofisticadas, e a posse de muito dinheiro, com o qual tudo se compra. Há atualmente quadrilhas nos grandes centros urbanos, que se articulam numa organização central; há hierarquia, e os cabeças devem obediência a comandos mais altos. Ali se decide sobre a vida e a morte dos membros das várias gangues. Vigora uma lógica da submissão total, caso contrário, funciona o mecanismo da eliminação física. Mata-se para mostrar coragem e disposição. Assim como se mata pelo prazer de matar e mesmo mata-se para eliminar um adversário do amigo, e assim dar-lhe um agrado ou fazer-lhe uma surpresa. Do mesmo modo que se mata por qualquer erro ou porque criou incômodo no arranjo de poder das quadrilhas. A relação do chefe com os subordinados é de total dominação, respectivamente de dependência. Nas guerras entre quadrilhas, produz-se um verdadeiro extermínio de um e de outro lado. A lógica é a da guerra total[9].

 

1.3. As Causas Políticas da Violência

A sociedade atual está organizada a partir da exploração violenta da mais-valia do trabalho e na exclusão de grande parte da população. Há um verdadeiro conflito entre o capital e o trabalho, origem a uma desenfreada luta de classes, com a dominação permanente dos donos do poder ao longo da história. Essa luta cria violência em todos os campos: primeiro, no campo econômico, com os baixos salários e a privatização da verba pública; segundo, no campo político, mediante a produção de uma cidadania menor, que se expressa pela corrida aos cargos públicos por parte dos partidos que dão sustentação ao governo e se valem de benesses públicas; pelos sindicatos cooptados ou desvirtuados em sua função; pela guerra no campo por falta de reforma agrária e devido às dificuldades de organização participativa; terceiro no campo cultural, pelo desprezo à cultura popular e pela dominação da cultura da mídia de massa sobre a população, influenciada pelos estereótipos da cultura globalizada de origem norte americana; quarto, no campo religioso, pelo não-reconhecimento das religiões populares, afros; pela manipulação dos sentimentos religiosos do povo por líderes que transformam os templos em verdadeiras casas de câmbio; pela folclorização da piedade popular; quinto, no campo educacional, com a escola negada a milhões de pessoas, o que explica o alto índice de analfabetismo e com os professores desestimulados; sexto, no campo sanitário, pela falta de cuidado com a saúde do povo, sem hospitais, postos de saúde, remédios e dentistas[10].

A modernização conservadora, sob a influência dos ajustes estruturais, leva a substituir a preocupação pelo desenvolvimento por aquela da estabilização e do combate à inflação. Pouco considera os custos sociais, cobra a integração econômica no mercado mundial, com descaso pela soberania nacional e popular; impõe um diálogo Norte-Sul, mas exclui da agenda os temas da fome mundial, da dívida externa e seus perversos efeitos sociais. Todo esse processo tem por efeito prolongar a herança trágica de exclusão de milhões de brasileiros que, para sobreviver, têm de continuamente cometer o ilegal, viver do comércio informal, de pequenos roubos e delitos. Sobre eles caem pesadas punições legais e sociais[11].

 

1.4. As Causas Psicossociais da Violência

As classes dominantes internalizaram dentro de si a convicção de que elas tudo podem e de que são impunes. O autoritarismo ligado à impunidade e à corrupção, que tudo acoberta, é uma das origens da violência[12]. As classes dominadas internalizaram o caráter violento, injusto e desigual de sua situação. Elas não vêem seu direito à segurança realizado, desta forma elas têm de se defender por si mesmas. Usam da violência como estratégia de sobrevivência e também como meio político de recuperar o que lhes foi negado ou expropriado. Porém, trata-se de uma antiviolência, ou seja, é a reação a uma violência anterior. Assaltando e destruindo se vingam dos males sofridos, dos direitos roubados dos sonhos destruídos. Esse processo, geralmente, não é conscientizado nem racionalizado pelas classes dominadas, no sentido de ser fruto de uma reflexão anterior. Trata-se de uma reação no nível do inconsciente, que busca uma compensação e até uma vingança pelo mal de que foram vítimas[13].

A psicanálise aliada ao pensamento social detecta este tipo de violência. Temos, pois um princípio de crítica da violência construído a partir da criminalidade social. Descobre-se a sociedade de desiguais como causadora da pobreza. A partir de uma mentalidade individualista, usa-se a própria força, a fim de alcançar a compensação para interesse particular. Sendo individualista a reação à violência primeira, ela não é revolucionária. Na verdade, ela reforça uma visão conservadora. Isto ocorre porque, se por um lado questiona a estrutura social iníqua, o que é um problema político, por outro, não percebe que esta deve ser mudada coletivamente para impedir a perpetuação da injustiça e da desigualdade. O indivíduo busca o seu próprio bem-estar, pela violência, como forma de compensação, sem mudar nada no sistema. Um problema político demanda uma solução política, e não meramente individualista[14].

A genuína atitude passa pela organização dos grupos marginais com o objetivo de modificar a sociedade mediante processos de conscientização e práticas transformadoras, a partir de um projeto de nova sociedade. Este processo seria político e demanda transformações em todas as esferas. Muitos dos indivíduos violentos que realizam estratégias para sobreviver em meio à estrutura de exclusão se fossem conscientizados poderiam ser líderes revolucionários para enfrentar a realidade. Líderes revolucionários para instaurar uma nova sociedade sem desigualdades. Porém, o estrato burguês da sociedade e o Estado temem exatamente esse tipo de raciocínio. Pois este, sim, é revolucionário e os ameaça como um todo. Enquanto ficar individualizada, a violência não causa medo. Pelo contrário, o Estado pode aplicar tranqüilamente as leis e punir os marginais[15].

A burguesia se sente segura em sua ordem que, na verdade, é uma grande desordem social com aura de ordem político-jurídica. A principal causa desta desordem social está justamente na manutenção do status quo. O estrato burguês da sociedade gosta de dramatizar a violência pelos meios de comunicação social, particularmente a TV, mostrando os níveis de perversidade dos crimes e o número de vítimas feitas. Consegue elevar a violência urbana ao nível de problema nacional e, num certo tempo, de segurança nacional. Na verdade, analisando-se os números, morre muito mais gente em acidentes de tráfego, em acidentes de trabalho e em conseqüência da fome e das doenças da fome do que vítima de assaltos. Estes números não ameaçam os detentores do sistema e a ordem que os beneficia. A realidade violenta, que mata a cada minuto, não é dramatizada, e por isso é apresentada como socialmente suportável. Por outro lado, a violência urbana vem dramatizada visando a um efeito político: conseguir a perseguição, a prisão e eventualmente a morte dos criminosos. Este mecanismo ideológico de mascarar a realidade é um dos artifícios usados pela classe dominante para esquecer ou abafar a violência sobre a qual ela está assentada, uma violência originária, provocada por ela mesma. Este mesmo mecanismo procura então bodes expiatórios nos criminosos comuns. Decorre daí a importância dada à vigilância, ao controle e repressão. Há inclusive o uso do aparato bélico para manter a ordem e oferecer segurança agindo contra as populações periféricas ou "marginais" ao sistema[16].

 

1.5. As Causas Individuais da Violência

Há também violência por razões subjetivas em pessoas individuais e em grupos. É conhecida uma clássica discussão científica sobre a origem da agressividade humana. Alguns pensadores dentre eles Freud, Lorenz, Fromm, René Girard e outros a abordaram explicitamente esta questão.

Para Freud, a agressividade é expressão da dramaticidade da vida humana, cujo motor é a luta entre o princípio de vida (eros) e o princípio de morte (thánatos). Descarrega-se a tensão para fins de auto-realização, ou então sobre outros, com intentos destrutivos. Para Freud, é impossível aos humanos controlar totalmente o princípio de morte. Por isso, sempre haverá violência na sociedade. Mas por leis, pela educação e, de modo geral, pela cultura pode-se diminuir sua virulência e controlar seus efeitos perversos[17].

Para Konrad Lorenz, a agressividade é um instinto como outros e destina-se a proteger a vida. Mas ela ganhou autonomia, porque a razão construiu a arma mediante a qual a pessoa ou o grupo potencializa sua força e assim pode se impor aos demais. E criou-se uma lógica própria da violência. A solução é encontrar substitutivos: voltar à razão capaz de dialogar, ao esporte, à democracia e ao autodomínio crítico do próprio entusiasmo.  Para Lorenz a guerra somente desaparecerá quando os seres humanos conquistarem por outros modos aquilo que era conquistado mediante a força bruta. Contudo há que se voltar à realidade, o modo como o ser humano está cultural e socialmente estruturado, ele traz consigo consideráveis fatores de violência objetiva. Estes poderão ser minimizados, controlados, mas não totalmente eliminados. E assim chegamos a um ponto radical da análise que importa enfrentar: a raiz originária da violência, a estrutura do desejo humano articulado para a rivalidade e que gera, assim, conflito e violência[18].

Para Girard a raiz da violência encontra-se na estrutura do desejo humano. Analisando as grandes obras literárias e mitos transculturais, encontra-se o mecanismo do desejo na raiz de tudo. O desejo constitui a grande mola propulsora das transformações e da busca do novo. Contudo, há uma particularidade, que escapou à análise de cunho subjetivista: no desejo não há apenas dois termos, o sujeito que deseja e o objeto desejado, há sempre o outro, o terceiro, que, segundo Girard, funciona como rival. O rival deseja o mesmo objeto que o outro. Este deseja o mesmo objeto não por acaso ou por mera coincidência, mas por uma estrutura de fundo, ligada ao próprio desejo humano. Na verdade o ser humano tem uma tendência ao infinito. Deseja-se não somente isto e aquilo, mas a totalidade. O ser humano deseja tudo[19].

Na verdade, o ser humano não sabe concretamente o que deseja. Girard propõe que o desejo é determinado somente a partir do rival. Cada pessoa deseja aquilo que seu rival deseja. Assim sendo, o desejo deixa o vago e ganha configuração concreta, o desejo é essencialmente mimético[20]. O desejo mimético é gerador de conflito, pois os dois desejam o mesmo objeto. Com isso entram em concorrência. Cada um quer tomar exclusivamente para si o objeto e com isso realizar o seu desejo. Para tal efeito, sente-se obrigado a excluir o outro. Esse conflito se agiganta quando entram grupos que coletivamente desejam. Quanto mais pessoas e grupos desejam o mesmo objeto, mais cresce a rivalidade, mais aumenta o conflito, mais se acentua a violência. O desejo mimético funciona como um retorno avaliativo no sentido de que eu imito meu rival e meu rival me imita. O modelo vai tornar-se o modelo de seu modelo. Então, tudo se torna recíproco. A partir da reciprocidade surge a seguinte lógica: quanto mais se deseja o mesmo objeto, mais se procura imitar o outro e mais e mais se procura destruir o outro, ou destruir o objeto desejado pelo outro ou por todos os outros[21].

O ponto alto do mimetismo, e concomitantemente da violência, é alcançado quando os rivais se unem e criam a unanimidade mimética. Todos se unem contra um só, sobre o qual todos descarregam sua violência. Os muitos têm diante de si apenas um rival, que importa abater. Ele será a vítima. O desejo mimético é fundamentalmente vitimatório. Produz vítimas por todos os campos onde se expressa o desejo concorrencial humano. O processo vitimatório é extremamente inventivo. A produção da vítima funda a sociedade e a cultura[22].

Quando todos se unem para descarregar a violência sobre a vítima, criam uma comunidade. A vítima aparece como causa da desordem e então descarregam sobre ela toda a violência. Todos se unem para eliminá-la.  Da morte da vítima resulta a paz e harmonia. O retorno da ordem ocorre porque todos desaguaram sobre o caos sua violência e assim se apaziguaram. A criação da vítima é fundadora da comunidade e da cultura. Quando todos se unem para punir a vítima há uma ruptura do desejo mimético. Se a violência fosse deixada por si mesma, criar-se-ia uma cadeia ininterrupta de violências e de vinganças. Um teria de matar o outro, porque esse outro, matou, e assim indefinidamente. A criação da vítima faz com que todos descarreguem a violência nela, e assim se constitui a comunidade sem violência[23].

Os gregos chamavam de Phármakos às vítimas humanas. Eram pessoas que a sociedade mantinha e que eram sacrificadas em momentos de crise. Nessa ocasião, eram levadas em todos os cantos da cidade, para absorver as impurezas do ambiente. Eram pessoas há um tempo execráveis e admiradas. Execráveis porque incorporavam toda a iniqüidade da comunidade. Admiráveis porque, mediante seu sacrifício, era possível alcançar o apaziguamento da comunidade. Com seu sacrifício se produziria um efeito "farmacêutico", ou seja, curativo. Toda a inimizade e violência dissimulada da cidade eram redirecionadas e apaziguadas pela vítima. Inicialmente, sacrificava-se um filho, um deficiente físico, um prisioneiro, um escravo, enfim, alguém da família humana. Depois, substituiu-se a vítima por um animal que guardasse certa analogia com os humanos. A vítima tem sempre uma função vicária: ela está no lugar de toda a comunidade. Esta mesma comunidade ao descarregar sobre ela sua violência, chega à paz e à concórdia social[24].

Com o processo civilizatório, procurou-se substituir a vítima pela lei. Não basta sacrificar de vez em quando. O processo do desejo mimético sempre está ativo. Então surge a lei, que cria a proibição, e assim se rompe a cadeia da violência e da vingança. A lei cumpre a função de ordem social. A comunidade, agora, em vez de matar as vítimas, aplica sobre ela leis e as penas da lei. Desta forma, a sociedade se apazigua do mesmo modo que antes, quando matava de verdade. Agora, porém se mata de modo simbólico através da imposição de penas, isolando as pessoas em cadeias e até condenando-as legalmente à morte.

Nessa passagem do sacrifício à lei, cria-se o rito e o mito. Pelo rito se recorda e se celebra o benefício que a vítima trouxe com sua morte, a paz, o apaziguamento e a coesão da comunidade. Elabora-se o mito, que é a narração plástica e dramática de todo esse processo ritualizado. Lei, rito e mito estão na base de toda cultura e das instituições que dela derivam. Essas três pilastras visam a fechar a boca da vítima. São construídas pelos que sacrificaram a vítima e a mantêm como vítima[25].

Hoje não são realizados sacrifícios como no passado. Mas há também vítimas atualmente, dentro de mecanismos sacrificialistas até mais perversos. Como tese geral, pode-se dizer que onde há instituições surgem as violências. As instituições são sistemas auto-reguladores e sacrificiais. Punem, excluem e até eliminam quem não se ajusta a elas. Elas concretizam leis e normas estruturadas, possuem seus ritos e elaboram um mito justificador de sua fundação[26].

Na atualidade o sistema econômico e o mercado são sacrificiais. Adam Smith dizia: toda sociedade civilizada deixa morrer aqueles que não chegam a garantir sua subsistência. Quem está no sistema, no conjunto articulado de leis, normas e instituições, vive; quem não está, é descartado e morre. A harmonia está baseada em deixar morrer aqueles que não entram na harmonia. Então, a ordem instituída produz desordem. É ordem a partir do momento em que exclui todos os que não são capazes de entrar nela e nela se manter. Assim ocorre no mercado auto-regulador. Quem é forte no mercado, vive e progride. Já quem é fraco, é eliminado e excluído do mercado. Quando se celebra a capacidade auto-reguladora do mercado, significa que se está celebrando sua sacrificialidade. O desemprego é necessário para salvar empresas. Poupar empregados, não demiti-los é ser não-sacrificialista. O preço desta opção é ser ineficaz, ficar economicamente fraco, perder na concorrência e se auto-sacrificar, morrendo empresarialmente[27].

A teoria de Girard acerca do desejo mimético permite entender melhor os mecanismos de reprodução da violência. A violência dos marginalizados e oprimidos é reflexo mimético da violência primeira e modelar das classes dominantes, que impedem a realização do desejo das maiorias. Os oprimidos são violentos porque se encontram enquadrados numa sociedade violenta. Eles se tornam vítimas sobre as quais a classe dominante descarrega toda a sua violência e constroem a paz entre os lobos. A classe dominante inventa continuamente bodes expiatórios. Esta classe mantém-se dominante porque usa permanentemente a violência. Ela precisa inventar os bodes expiatórios para esconder sua própria violência. Objetivando aniquilar a vítima, pode descarregar sobre ela sua violência, aplicar-lhe as leis, puni-Ia de mil formas, até pela exclusão sistemática do processo de produção e consumo. Este é a estrutura que vem ocorrendo atualmente em nível mundial[28].

No Brasil há uma particularidade neste aspecto da interpretação ideológica da violência. As classes dominantes criam uma interpretação da violência no sentido de ela é causada pelos pobres, pelos movimentos sociais e pelos habitantes das periferias. Tais acusações visam a ocultar o fato de que é ela a causadora principal da máxima violência que é exclusão social. Quem de fato trabalhou e construiu quase tudo o que existe no Brasil foram os negros, escravizados. Atualmente eles são difamados como aqueles que não querem trabalhar e por isso são pobres. Trata-se de profunda injustiça e mentira histórica. Trata-se do uso dos recursos do desejo mimético das classes dominantes, criando bodes expiatórios para mascarar a própria violência e ocultar a falta de solidariedade e de senso de justiça histórica. Por outro lado, as vítimas coletivas não aceitam essa condenação e procuram se defender dentro do mesmo círculo de violência. Trata-se de uma antiviolência, seguindo o mesmo processo mimético[29]. Como superar esse círculo vicioso? Isso implicaria uma revolução nas relações sociais, baseadas não mais no desejo mimético, mas na alteridade.

Certamente, não é fatal que o terceiro, o rival que também deseja, deseja só para si, com exclusão do outro. Há uma atitude alternativa. Ele pode entrar numa parceria com os outros desejantes. Pode construir a solidariedade e a comunhão ao redor do mesmo objeto desejado. Emergiria então outro tipo de sociedade originária. Teríamos uma sociedade não violenta, individualista, dilacerada e sim solidária, baseada em valores comunitários e integrada. Para atingir este estágio de humanidade a proposta deste trabalho é investigar a reflexão filosófica de Emmanuel Lévinas. A ruptura com o círculo vicioso da violência poderá encontrar seu ocaso a partir de uma nova concepção do ser humano e da ética. É neste sentido que o próximo capítulo deste trabalho se propõe reler uma das obras de Emmanuel Lévinas, “Da Existência ao Existente”, e vislumbrar nela os primeiros passos de sua reflexão sobre a Ética da Alteridade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO 2

 

 

Uma Leitura da Obra

“Da Existência ao Existente”

 

 

 

2.1. Introdução

 

2.1.1. O Horizonte de Lévinas e de sua Obra

No capítulo anterior foi apresentada uma abordagem do fenômeno da violência, destacando suas causas históricas, culturais, políticas, psicossociais e individuais. A violência se apresenta por vezes como uma rede que a todos envolve num gigantesco círculo vicioso. Para romper tal círculo faz-se necessário repensar a própria estrutura do ser humano, seu modo de se perceber e atuar no mundo, bem como sua relação com os outros seres humanos. Objetivando encontrar tal abordagem humanista e ética nos propomos reler um importante filósofo do século XX, Emmanuel Lévinas. Na impossibilidade de reler toda a sua vasta e diversificada obra, vamos nos ater a um de seus primeiros ensaios reflexivos: “Da Existência ao Existente”.

Antes de abordar diretamente a obra “Da Existência ao Existente” é necessário apresentar os lugares hermenêuticos a partir dos quais foram produzidos, bem os princípios norteadores de Lévinas, suas opções e reflexões de um modo mais abrangente.

A obra e o pensamento de Lévinas são mais bem compreendidos quando inseridos no contexto dos acontecimentos marcantes do século XX. Entre outros, devem ser lembrados as guerras[30], e particularmente as duas guerras mundiais, que mostraram a ineficácia dos princípios éticos que norteavam as sociedades. A perseguição nazista aos judeus que fez milhões de vítimas e a própria experiência de Lévinas oficial militar judeu prisioneiro de guerra são situações e lugares hermenêuticos, que permitem uma melhor abordagem da obra levinasiana. O pensamento ético de Lévinas apresenta-se como denúncia e como crítica impiedosa a esta realidade. Na obra de Lévinas há que se levar em conta igualmente a inspiração e a experiência moral mosaico-profética, confrontada com a filosofia e cultura grega[31].

Sendo, pois, Lévinas pertencente ao século XX e testemunha das duas grandes guerras mundiais e das inúmeras violências decorrentes delas, sua reflexão filosófica aparece como um referencial humanitário e uma profissão de esperança na Humanidade. Lévinas conheceu o peso da máxima violência contra o homem que convida à distração como condição de sobrevivência. Lévinas não cede nem ao niilismo, nem ao anti-humanismo, menos ainda à distração. Ele toma um outro caminho. Procura integrar tanto a tradição da reflexão racional com linguagem conceptual da tradição filosófica grega com a tradição hebraica. Acredita que a razão pode se deixar inspirar pelos profetas e pelos rabinos sem humilhação[32]. O conteúdo ético proposto em suas obras é proveniente do “ethos” cultural judeu. Uma tradição antiga que conservou sua sabedoria na escritura da Tora, nos comentários inscritos no Talmude e na tradição rabínica. Uma antiga sabedoria que se constituiu na experiência originária e pré-filosófica de Lévinas[33].

A obra de Lévinas tem por meta apresentar o sentido do humano num mundo e tempo marcados pela negação do humano. Ele se rebela contra a ontologia e avança rumo a uma utopia onde o humano se mostra. Seu pensamento nos remete ao radicalmente outro. Isto implica na afirmação da justiça, entendida como responsabilidade que transborda e precede a minha liberdade[34].

 

2.1.2. Classificação das Obras

Para melhor compreender “Da Existência ao Existente” convem antes de tudo situá-la no conjunto das obras. Não é uma tarefa fácil englobar o pensamento de um filósofo tão talentoso, com reflexões em campos tão característicos. Por isso, convém estabelecer uma classificação das obras por períodos com as preocupações fundamentais de Lévinas. Segundo Ulpiano[35], as obras de Lévinas podem ser classificadas de 1929 a 1979 em três períodos. O primeiro, de 1929 a 1951 trata da Fenomenologia de Husserl e Heidegger; o segundo período de 1952 a 1964 é marcado por sua investigação filosófica pessoal, realizando um debate crítico e profundo com Husserl e Heidegger, não mais se limitando à exposição e exegese de suas obras; o terceiro período de 1966 a 1979 procura manter integradas as três dimensões do seu pensamento: investigação filosófica,  bíblica e talmúdica[36].

 

2.1.3. Características da Obra de Lévinas

Diante da classificação das obras em períodos históricos há que se destacar também suas características internas. Estas dizem respeito não só a temática abordada pelo autor, mas também seu enfoque metodológico e hermenêutico. Sendo assim, do ponto de vista das peculiaridades internas da obra de Lévinas, podem ser apresentadas quatro características:

A primeira é a oposição Filosofia versus Teologia. Por um lado, Lévinas, sempre reivindicou para seu discurso e para seus escritos o caráter de filosófico. Por outro lado, propõe sempre a questão de Deus, inseparável da questão do sentido, da linguagem, da subjetividade, da ética. Ataca a alternativa Razão versus Fé, Deus dos filósofos versus Deus bíblico, a teologia versus a experiência religiosa. Procura escutar Deus longe do discurso da filosofia ocidental, mas também longe dos discursos da religião e da fé. A questão de Deus e a filosofia são inseparáveis. Deus não pode entrar diretamente como tema do discurso filosófico, pois assim não seria Infinito. Se Deus pudesse ser dito fora da evocação religiosa não seria encontrável pela racionalidade humana. No primeiro caso, Deus não seria Deus e no segundo, o homem não seria humano[37].

A segunda é a oposição Metafísica versus Ontologia. A investigação de Lévinas pretende ser metafísica, opondo-se a todos os modelos ontológicos. Esses modelos subordinariam a relação com o ente à relação com o ser e neutralizariam o ente captado como ‘o mesmo’ e não como ‘outro’. A ontologia seria ‘filosofia do poder’ da liberdade antes que da justiça. Lévinas aponta a necessidade de buscar uma alternativa ao discurso ontológico. Esta investigação só poderá expressar-se na linguagem ética.

A terceira é a oposição Ética e Fenomenologia. Por um lado, se recusa a reconhecer um desfecho teológico para o seu discurso. Por outro, nega a possibilidade para a consciência de recuperar a situação original de criatura[38]. Seu ponto de partida é o homem entendido como ‘o outro’. Desta forma, a criaturalidade é anterior à absorção no Ser, no sistema, na linguagem, liberdade, responsabilidade pelo Outro. A quarta característica interna é a oposição entre Tradição judaica e Tradição cristã. Filósofos e os profetas não são sincrônicos nem simultâneos. Filosofia e Bíblia devem ser pensadas diacronicamente[39].

 

2.2. “Da Existência ao Existente”

Serão apresentados agora os dados fundamentais da obra de Lévinas, “Da Existência ao Existente”. Trata-se de um empreendimento demasiadamente ousado dado o caráter hermético da obra levinasiana. Neste texto, o filósofo lituano trata de categorias filosóficas tais como os problemas da existência, do mundo, do tempo, da intencionalidade e da consciência. Trata, sobretudo do que ele denomina “il y a”, metáfora da pura e absoluta impessoalidade. Sua principal intenção é, pois a descrição fenomenológica deste “il y a” que permite assinalar uma saída ética ao egoísmo ontológico que jogou o Ocidente na máxima violência, a guerra total[40].

 

 

2.2.1. A Relação com a Existência e o Instante

O Ocidente no momento de guerra total era a máxima expressão da terra do ser. O impessoal “il y a” se realiza num processo anônimo, sem sujeito, sem saída, indiferente e sem sentido. O esforço de “Da Existência ao Existente” é o de encontrar uma experiência que possa propiciar uma saída deste sem saída que é o “il y a” [41].

Inicialmente, para alcançar o evento do nascimento da existência e do existir humano, Lévinas propõe investigar dois fenômenos da realidade e que são anteriores à reflexão: o cansaço e a preguiça. Tais eventos revelam um “não-fazer”, um “não-receber”, uma impotência e um retroceder diante da existência. Cansaço e preguiça sugerem um alheamento da existência e um escape do ser. O cansaço é fastio de tudo, de todos, de si e da existência[42]. Eles se constituem em ponto estratégico de inércia a partir da qual se pode observar o evento do nascimento da existência e do existente. Tanto o cansaço quanto a preguiça sugere um alheamento da existência, um escape do ser. O cansaço é fastio de tudo, de todos, de si e da existência. A existência arrasta o existente inerte para existir. A existência, vista sob a metáfora da rejeição ao existir, é um chamado ao existente para assumir a existência em sua própria existência. A existência exige, mas o existente resiste. De um lado, a insistência e do outro, a resistência. Evadir-se sem o “para onde”, sem direção, sem destino e sem “fim”. Esta experiência manifesta a existência como insistência e inevitabilidade de existir. O existente não está necessariamente condenado a existir[43].

Lévinas afirma que só há cansaço no esforço e no trabalho. O trabalho e o esforço humanos supõem um engajamento. O esforço revela uma condenação e este é cansaço e sofrimento[44]. Contrapondo trabalho e jogo, engajamento e leveza, Lévinas vai dizer que o esforço exclui o jogo. Pois, enquanto no jogo se age de modo desinteressado e gratuito, no trabalho vivemos a separação entre o esforço e seu fim. Ele está se referindo a uma história e a um horizonte de tempo. Deste modo situa a atividade na existência do homem, no seu presente. Agir é assumir um presente. O presente é a aparição de um sujeito que está em luta contra a existência ou que está em relação com ela e que ao mesmo tempo a assume[45].

O processo de adesão ou fechamento para o existente é posto como exigência e resistência. A existência arrasta o existente inerte para existir. A existência, vista sob a metáfora da rejeição ao existir, é um chamado ao existente para assumir a existência em sua própria existência. A existência exige, mas o existente resiste. De um lado, a insistência e do outro, a resistência[46]. Por um lado, temos o ato essencialmente de sujeição e servidão, por outro, o esforço. Este é como uma condenação. O sujeito assume o instante como um presente inevitável. Para Lévinas, o sofrimento do esforço, ou o cansaço, se faz inteiramente dessa condenação ao ser, desta falta de flexibilidade[47]. O cansaço é como que um atraso, trazido pelo existente, ao existir[48]. Enfim evadir-se sem um “para-onde”, sem direção, sem destino e sem “fim” constitui o conteúdo deste cansaço e desalento do existente. Esta experiência manifesta a insistência e inevitabilidade de existir[49].

 

2.2.2. O Mundo

Para Lévinas, o mundo é o lugar onde habitamos. Lugar onde realizamos a atividades mais cotidianas como passear, almoçar e jantar[50]. O mundo enfim é o lugar onde estamos. Trata-se do “ali” onde o “eu” faz sua instância, ou seja, mora. É o lugar onde apreende e compreende[51]. Deste modo, estar no mundo é estar preso às coisas[52].

Para traduzir esta da maneira mais exata esta relação com o mundo Lévinas usa a noção de intenção. Nela a preocupação em existir está ausente. Desejando a pessoa não se preocupa em ser, justamente por já estar absorvida pelo desejável, por um objeto que amortecerá totalmente meu desejo[53]. Desejo e ser estão em pólos opostos. O ser é o que é pensado, visto agido, querido, sentido, numa palavra, o objeto. Ser no mundo é ir ao desejável.  A existência no mundo tem sempre um centro, ela nunca é anônima. Existir refere-se a um movimento intencional do interior para o exterior[54]. Diferente da necessidade o desejo, como relação com o mundo, comporta ao mesmo tempo uma distância e uma proximidade[55]. O que caracteriza o ser no mundo é a sinceridade da intenção, a suficiência do mundo e o contentamento[56]. Por isso, viver é uma sinceridade, é ir em busca do desejado. Contudo, o desejo não se basta a si mesmo[57].

Luz é toda apreensão sensível ou inteligível. Ela remete às atitudes de ver a dureza de um objeto, de sentir o gosto de um alimento, o cheiro de um perfume, ouvir o som de um instrumento, perceber a verdade de um teorema. A luz condiciona todo ser. É pela luz que os sujeitos tomam posse dos objetos. Pela luz o mundo é dado e apreendido. O ser no mundo tem um fora e um dentro, ou seja, ao mesmo tempo em que tende para as coisas, retira-se delas e busca a interioridade. A luz torna possível o envolvimento do exterior pelo interior. O pensamento é sempre claridade. O que vem de fora é compreendido e iluminado. Há totalidade porque ela se refere a uma interioridade na luz. O espaço iluminado é inteiramente recolhido em torno de um espírito que o possui. A relação do objeto com o sujeito é dada ao mesmo tempo em que o próprio objeto. Enfim, o saber é a condição de toda ação livre[58].

 

2.2.3. Existência Sem Mundo

Na relação com o mundo o ser humano pode buscar evadir dele. Ele pode fugir do mundo. Um exemplo disso, a arte pode fazer com que o ser humano saia do mundo. Pois, a função elementar da arte consiste em fornecer uma imagem do objeto em lugar do próprio objeto, ou seja, uma abstração. A arte comunica caráter de alteridade aos objetos representados. O movimento da arte consiste em deixar a percepção para reabilitar a sensação[59]. A pintura, por exemplo, é uma luta com a visão. Ela busca arrancar da luz os seres integrados num conjunto. Olhar configura-se como um poder de descrever curvas, de desenhar conjuntos nos quais os elementos singulares são integrados e o onde o particular aparece se abandonado[60].

A noite é a própria experiência do “há”. Na noite não se lida com coisa alguma. Esta universal ausência é uma presença absolutamente inevitável. Não há discurso. Há em geral, sem que importe o que há, sem que se possa juntar um substantivo a este termo: “há”, de forma impessoal. Trata-se de um anonimato essencial. O desaparecimento de toda coisa e o desaparecimento do eu remetem ao que não pode desaparecer, ao próprio fato do ser de que se participa anonimamente[61].

A escuridão preenche o espaço noturno como um conteúdo. Ele está pleno, pleno de nada do tudo. A insegurança vem do fato de que nada se aproxima, nada vem, nada ameaça. É possível falar de noites em pleno dia[62].

Ser consciência é ser arrancado ao há, já que a existência de uma consciência constitui uma subjetividade[63]. Matar, assim como morrer, é buscar uma saída do ser, ir aonde a liberdade e a negação operam[64]. O horror da noite, como experiência do há, não revela um perigo de morte, nem mesmo um perigo de dor[65].

Lévinas opõe o horror da noite, “o silêncio e o horror das trevas”, à angústia heideggeriana. Ele opõe o medo de ser ao medo do nada. Enquanto a angústia, em Heidegger, cumpre o “ser para a morte”, apreendida e compreendida de algum modo, o horror da noite “sem saída” e “sem resposta” é a existência irremissível[66]. Negar a totalidade do ser é, para a consciência, mergulhar numa espécie de escuridão onde, ela se mantém como funcionamento, como consciência dessa escuridão. A negação total seria impossível. A escuridão é compreendida como conteúdo. É um conteúdo obtido por negação de todo conteúdo. A escuridão, como presença da ausência, não é um conteúdo puramente presente[67].

Existir é confrontar-se com o fato de que “se é” e de que as “coisas são”, com o fato de que “há”. Não há outra forma de confrontar-se com a existência senão existindo-a como existente. A “Existência” se dá imediatamente no “existindo” de um “existente”, o “existente” aparece no “existindo” de sua “existência” [68]. Tratando-se do ser humano, o existente poderia dar-se separado da existência. A existência aponta para o existente que “existe-já-existindo”. A existência do existente humano tem a peculiar forma de “existir-existindo-vivo”. A luta pela vida o faz projetar e agir em vista de um para além do momento originário e da inteligibilidade impactante de que “se é” e “há” [69].

 

2.2.4. A Hipóstase

Como o existente pode suspender sua existência? Este procedimento do existente frente à sua exigência é designado como “hipótese”, ou seja, o modo pelo qual de um verbo em infinitivo (existir) se faz surgir um substantivo (existente) que se torna eticamente a carga de seu ser ao sair de si-mesmo para o Outro-diferente-de-si-mesmo[70]. Existir em sentido ontológico é tornar-se carga de si-mesmo, “curando-se” de tudo o que não seja este si-mesmo. Para Lévinas isso é o mal. O bem é sair de si-mesmo para o Outro-diferente-de-si-mesmo, para o diferente de si-mesmo. Sair de si-mesmo implica mudar o modo de aproximação do ser[71].

Mesmo que se pudesse imaginar a aniquilação de todos os entes, ainda sobraria um resquício de ser que se designaria pelo “há”. A experiência do “há” é semelhante à experiência da noite, onde todos os objetos perdem a forma, mas a noite está aí, sem forma, como presença que se impõe diante da ausência das formas consumidas pela obscuridade[72].

O “há” é o ser geral. “Há”, ser em geral, permanece sempre, mesmo que todos os entes sejam reduzidos ao nada. A experiência existencial do “il y a” (há) é trágica e horrorosa. É horror diante do que sobrevive à morte e diante de uma existência que é universal até em seu desaparecimento. O ser, entendido como presença absoluta, anônima e impessoal, não pode ser negado e está além de toda contradição, síntese ou superação. A existência é uma brutal condenação a um permanente confronto com o inevitável[73]. Para tal, Lévinas estabelece a metáfora da insônia.

Com entender a metáfora da insônia? Lévinas não está convencido de que não haja uma porta de saída no ser. Ele pensa que se o nada não pode funcionar como negação do ser, talvez possa funcionar como “intervalo” no ser. Nada entendido como intervalo produzido pela consciência no ser. Estabelece pois um paralelo entre a insônia e a presença insistente do ser o estado de um sujeito que não consegue dormir de noite[74]. A impossibilidade de destruir o inevitável manifesta-se por meio de momentos nos quais o sono escapa. O eu é levado pela fatalidade do ser. A vigília vazia de objetos, a vigília da insônia não tem sujeito. É o próprio retorno da presença no vazio deixado pela ausência[75]. Velando quando já não há nada mais para velar o indivíduo está sujeito ao ser, sujeito a ser. Existir é estar em estado de permanente vigilância. A obra de ser do ser é inevitável, contínua, ininterrupta[76].

Lévinas entende, pois a insônia como o despertar do “há” no seio da negação. A consciência do sujeito pensante é exatamente a ruptura da insônia do ser anônimo, a possibilidade de escapar, retirar-se do ser[77]. O ato de dormir significa suspender temporariamente as atividades mentais e físicas. É um recostar o corpo em algum lugar como base. A existência fica como que abandonada numa posição de refúgio e partida. É um abandono do pensamento, do saber e da consciência à base. O sono é a inércia da consciência. A consciência advém da passagem de uma situação de não assumir o ser para a situação de assumi-lo[78]. Se a insônia é a extinção do sujeito. Em que consiste o aparecimento do sujeito [79]?

A relação consciência com o inconsciente não é feita de oposição, mas de vizinhança. A partir da comunicação com seu contrário a consciência se cansa e se interrompe, tem um recurso contra si mesma. A consciência parece sobressair ao “há” por sua possibilidade de esquecê-lo, por sua possibilidade de dormir. [80] Dormir é suspender a atividade psíquica e física. O apelo ao sono se faz no ato de deitar-se. Deitar-se é exatamente limitar a existência ao lugar[81]. Este lugar é na verdade uma base ou uma condição. Compreende-se esta localização como a de um corpo situado em dado espaço. O sono restabelece, pois a relação com o lugar como base. Ao deitar-se, o sujeito abandona-se a um lugar. Este se torna o refúgio do sujeito, um lugar que ele tem como base. Toda sua obra de ser consiste apenas em repousar. Dormir é entendido como entrar em contato com as virtudes protetoras do lugar. Concluindo Lévinas afirma que é a partir do repouso, a partir da posição, a partir dessa relação única com o lugar, que vem a consciência[82].

A consciência é tornar-se a partir de uma base, um lugar ou mesmo um refúgio. Tornar-se consciente é assumir o ser. Há outra possibilidade além de existir, há a possibilidade de evadir-se do ser e suspender a existência, produzindo um intervalo no ser. O sujeito se apresenta como sujeito pelo fato de estar apoiado sobre uma base. O contrário do sujeito é a existência incógnita, universal, sem sentido ou sem saída. Um sujeito não posicionado é um não-sujeito. O “aqui”, onde se posicionam o sujeito e a consciência[83].

O aqui da consciência é o lugar de seu sono e de sua evasão em si. O aqui precede toda compreensão, todo horizonte e todo tempo. Ele é o próprio fato de que a consciência é origem, de que ela parte de si mesma, de que ela é existente. Pondo-se numa base, o sujeito levanta-se e torna-se dono de tudo o que o atrapalha[84].

O corpo é próprio advento da consciência, seu ser é da ordem do evento e não do substantivo. O corpo é a posição e a irrupção, no ser anônimo, do próprio fato da localização[85]. Desse evento, além da experiência externa, há também a experiência interna, a sinestesia. Esta é feita de sensações. A sinestesia é mais do que um conhecimento, há uma intimidade. É possível dizer que sou minha dor, minha respiração, meus órgãos, que não tenho somente um corpo, mas que sou um corpo. Mesmo assim o corpo é um ser, um substantivo, um meio de localização, e não a maneira como o homem se engaja na existência ou a maneira como ele se põe. Apreendê-lo como evento é dizer que ele não é o instrumento ou o símbolo ou o sintoma da posição, mas a própria posição, que nele se realiza a própria mutação de evento em ser[86].

Dizia-se que o corpo era mais do que um acúmulo de matéria, ele abrigava uma alma e tinha o poder de expressar. O corpo podia ser mais ou menos expressivo e tinha partes que de fato o eram. O rosto e os olhos, espelhos da alma, eram por excelência os órgãos da expressão. Mas a espiritualidade do corpo não reside nesse poder de expressar o interior. Em virtude de sua posição, ele cumpre a condição de toda interioridade. Ele não expressa um evento. Ele é, de fato, este evento[87].

Além do corpo e sua relação com a existência, outro ponto de destaque é a questão do tempo. A extensão do tempo aparece como a própria extensão da existência. Define-se por sua resistência à destruição do tempo. Ao instante em que a existência ao mesmo tempo nasce e morre, sucede o instante em que ela nasce. Ele recolhe sua herança. É a persistência de uma existência mediante a duração que imita a eternidade. O tempo é uma imagem móvel da eternidade imóvel. A existência é concebida como uma persistência no tempo[88].

O instante é tomado em qualquer lugar no “espaço do tempo”, cujos diferentes pontos só se distinguem uns dos outros por sua ordem, mas onde eles se equivalem. O instante é cumprimento da existência[89]. Antes de estar em relação com os instantes que o precedem ou o seguem, o instante encerra um ato pelo qual se adquire a existência. Cada instante é um começo, um nascimento. Limitando-nos ao plano estritamente fenomenal, deixando de lado a relação transcendente. Como começo e nascimento, o instante é uma relação única, uma relação com o ser, uma iniciação ao ser. O que começa a ser não existe antes de ter começado e, no entanto, é o que não existe que deve por seu começo nascer para si mesmo, vir a si, sem partir de nenhuma parte. Esse movimento de vir a si sem partir de alguma parte não se confunde com aquele que transpõe um intervalo de tempo. Ele se faz no próprio instante em que alguma coisa, precede o instante. O fluir do instante constitui sua própria presença[90].

Lévinas ao tratar da questão do instante mostra como o presente está subjugado pelo peso da existência. O absoluto da relação entre o existente e a existência, no instante, se faz do domínio do existente sobre a existência, mas, ao mesmo tempo, do peso da existência sobre o existente[91]. O presente está sujeito ao ser. Ele é dominado por ele. O eu retorna fatalmente a si. O ser assumido é uma carga. O “presente” e o “eu” são o movimento da referência a si mesmo que constitui a identidade[92].

Normalmente o tempo é concebido como uma sucessão que garante a continuidade na existência do sujeito, uma continuidade sem intervalos e sem possibilidade de uma exceção no fluxo temporal e existencial. Lévinas esboça uma concepção diferente do tempo. Nela entre o “instante presente” e o “instante seguinte”, há o intervalo do “nada” produzido pela consciência que dorme. O despertar da consciência é o renascimento no “instante seguinte”. O tempo compreendido como tempo oportuno para começar de novo, depois do intervalo da inconsciência, num novo instante não sincronizado com o anterior, mas diacronizado se trata de um outro tempo ou tempo novo, acaba levando o sujeito às portas do não-definitivo[93].

Qual o sentido de hipóstase? Entende-se por hipóstase o evento pelo qual o ato expresso por um verbo torna-se um ser designado por um substantivo. A hipóstase significa a suspensão do há anônimo, a aparição de um domínio privado, de um nome. Sobre o fundo do “há” surge um ente. Pela hipóstase o ser anônimo perde seu caráter de “há”. O ente é sujeito do verbo ser e, exerce um domínio sobre a fatalidade do ser. A hipóstase, o existente, é uma consciência, porque a consciência é localizada e posta. É consciência também porque ela vem ao ser a partir de si mesma e vem ao ser a partir de si mesma. O presente é uma função dela: ele é essa vinda a partir de um si mesmo, essa apropriação da existência por um existente que é o “eu”. Consciência, posição, presente, “eu”, são eventos pelos quais o inominável verbo ser se transforma em substantivo. Consciência, posição, presente e “eu” são a hipóstase[94].

A relação entre o existente humano e sua respectiva existência foi recolocada por Lévinas. Com isso conseguiu-se livrar o existente do trágico destino de existir-existindo-sua-existência como necessário e inevitável confronto com o fato do ser, de que “se-é” e de que “há”. Ser anônimo e universal capaz de sobreviver à sua própria negação. Lévinas estabelece uma nova relação a partir de uma análise fenomenológica do “lugar”, da “posição”, da “base” e do “instante”. Uma relação constituída, por um lado, da possibilidade de suspender o ser e sua obra de ser no mundo recolhido da consciência, outro lado, do domínio do existente sobre sua existência, peso da existência sobre o existente. Avanço neste ponto da obra “Da Existência ao Existente” foi a abertura de uma porta no ser e a imposição de uma suspensão em sua obra de ser[95].

 

2.2.5. Em Direção ao Tempo

O eu se mantém como algo idêntico através da multiplicidade mutável do devir[96]. O “eu” seria um ponto indestrutível, do qual emanam atos e pensamentos sem afetá-lo por suas variações e multiplicidade. O “eu” é idêntico porque é consciência. Ele é substância porque ele é dotado de pensamento[97]. Ser eu comporta um acorrentamento a si mesmo, uma impossibilidade de desfazer-se desse si mesmo. O acorrentamento a si mesmo é a impossibilidade de se desfazer de si mesmo. Ser eu não é somente ser para si mesmo, é também ser consigo mesmo. O sujeito é a partir de si mesmo ou contra si mesmo. A solidão do sujeito é mais do que um isolamento de um ser. É, se pode dizer uma solidão a dois. Este outro que não é o eu corre como uma sombra acompanhando o eu[98].

Para que essa carga e esse peso sejam possíveis como carga, é preciso que o presente seja também a concepção de uma liberdade. Concepção, e não a própria liberdade. O pensamento ou a esperança da liberdade explicam o desespero que caracteriza no presente o engajamento na existência. A distinção estabelecida entre a liberdade e o simples pensamento de uma libertação proíbe toda dedução dialética do tempo a partir do presente[99].

O evento pode aparecer como possível em virtude de razões positivamente perceptíveis no presente e, então, espera-se com mais ou menos certeza um evento que somente comporta esperança na medida em que é incerto. O futuro pode trazer uma consolação ou uma compensação a um sujeito que sofre no presente, mas o próprio sofrimento do presente permanece como um grito cujo eco ressoará para sempre na eternidade dos espaços[100].

A alternância de esforços e de lazeres, da qual gozamos os frutos de nossos esforços, constitui o próprio tempo do mundo. Ele é monótono, pois seus instantes se equivalem. Ele vai para um domingo, puro lazer no qual o mundo é dado. O domingo compensa a semana. Compensa-se e se amortece, em lugar de ser reparado é a atividade econômica. O mundo econômico não atinge somente nossa vida material, mas todas as formas de nossa existência nas quais a exigência da salvação tinha sido preenchida[101].

Mas esse tempo da compensação não basta à esperança. A esperança não se contenta de um tempo composto de instantes separados, dados a um eu que os percorre para recolher no instante seguinte o salário de seu sofrimento. O objeto verdadeiro da esperança é a salvação. A carícia do consolador que aflora durante a dor não promete o fim do sofrimento. Não é mais condenado a si mesmo, levado para “outro lugar”, libera-se do aperto do “si mesmo”, uma dimensão e um futuro. Ela anuncia mais do que um simples futuro: ela anuncia um futuro no qual o presente beneficiará de uma convocação. Esse efeito da compaixão é infinitamente misterioso. Não se resgata o sofrimento. Como a felicidade da humanidade não justifica a infelicidade do indivíduo, a retribuição no futuro não esgota as penas do presente. Não há justiça que possa repará-las. Ter esperança é ter esperança na reparação do irreparável, ter esperança no presente. Geralmente se pensa que essa reparação é impossível no tempo, e que só a eternidade é o lugar da salvação. E esse recurso à eternidade, testemunha ao menos a exigência impossível de salvação que deve concernir ao próprio instante da dor e não somente dar compensação[102].

O tempo “instante seguinte” é rescisão do engajamento irrescindível da existência fixada no instante, à ressurreição do “eu”. O tempo não é uma sucessão dos instantes, mas a resposta à esperança pelo presente. É da esperança pelo presente que convém partir para compreender o mistério da obra do tempo. A esperança espera pelo próprio presente. No próprio momento em que tudo está perdido, tudo é possível. Não se trata de contestar o tempo de nossa existência concreta, constituído por uma série de instantes em relação à qual o “eu” é exterior. Tal é o tempo da vida econômica. Aí, o tempo é a renovação do sujeito – mas essa renovação não dissipa o tédio. O “eu” é essa exigência do não-definitivo. O “eu” não é independente de seu presente, não pode percorrer sozinho o tempo, encontrar sua recompensa simplesmente negando o presente[103].

O tempo não surgiria num sujeito só. A alteridade absoluta do outro instante não pode encontrar-se no sujeito que é definitivamente ele próprio. Essa alteridade só me vem de outrem. A socialidade é o próprio tempo. A dialética do tempo é a própria dialética da relação com outrem. A dialética da relação social nos fornecerá um encadeamento de[104]conceitos novos. E o nada necessário ao tempo vem da relação social.

A coletividade do eu-tu é o face a face temível de uma relação sem intermediário, sem mediação. Outrem é o que eu não sou: ele é o fraco enquanto sou o forte; ele é o pobre; ele é “a viúva e o órfão”. Ele é o estrangeiro, o inimigo, o poderoso. O essencial é que ele tem esta qualidade em virtude de sua própria alteridade.  A exterioridade social é original e nos faz sair das categorias de unidade e de multiplicidade que valem para as coisas. A intersubjetividade é fornecida pelo Eros em que, na proximidade de outrem, é integralmente mantida a distância. Aquilo que é apresentado como o fracasso da comunicação no amor constitui precisamente a positividade da relação. Essa ausência do outro é precisamente sua presença como outro. O outro é o próximo[105]. Na reciprocidade das relações, característica da civilização, a assimetria da relação intersubjetiva é esquecida[106].

A reciprocidade da civilização é um nivelamento da idéia de fraternidade, que é um ponto de chegada e não um ponto de partida. Para se colocar na fraternidade e para ser si mesmo o pobre, o fraco e o objeto de compaixão, é necessário intermediação do pai, é preciso heterogeneidade do eu e de outrem. Esta heterogeneidade e esta relação entre os gêneros – a partir das quais a sociedade e o tempo devem ser entendidos – levam-nos ao limiar de uma outra obra. Ao cosmos, opõe-se o mundo do espírito, onde as implicações do Eros não se reduzem à lógica do gênero, onde o eu se substitui ao mesmo e o outrem ao outro. É no Eros que a transcendência pode ser pensada de uma maneira radical. A intersubjetividade assimétrica é o lugar de uma transcendência na qual o sujeito, ao mesmo tempo em que conserva sua estrutura de sujeito, tem a possibilidade de não retornar fatalmente a si mesmo, de ser fecundo[107].

Ter tempo e ter uma história é ter um futuro e um passado. Não temos presente. Ele nos foge das mãos. É no presente que estamos e que podemos ter passado e futuro. Este paradoxo do presente - tudo e nada – é velho como o pensamento humano. A filosofia moderna tentou resolvê-lo, perguntando-se se é no presente que estamos, e contestando essa evidência. O presente puro seria uma abstração: o presente se lança em direção do futuro. Supor a existência humana como tendo uma data, como colocada num presente, seria lançá-lo no tempo dos relógios. A preocupação em restituir-lhe no ser um lugar fora de série e independente das categorias que valem para as coisas, anima toda a filosofia moderna. Mas nessa preocupação, o presente, encontrou-se englobado no dinamismo do tempo, definindo-se por um jogo de passado e de futuro. A existência humana comporta um elemento de estabilidade: ela consiste em ser o sujeito de seu devir[108].

O instante presente constitui o sujeito que se põe, ao mesmo tempo, como senhor do tempo e como implicado no tempo. O presente é o começo de um ser. A verdadeira substancialidade do sujeito consiste em sua substantividade; no fato de que não há apenas, anonimamente, ser em geral, mas que há seres suscetíveis de nomes. O instante rompe o anonimato do ser em geral. Ele é o evento pelo qual, no jogo do ser que se joga sem jogadores, surgem jogadores na existência[109]. O presente é o próprio fato de que há um existente. No instante, o existente domina a existência. O presente é evento. O sujeito não é livre é um destino que não lhe vem de seu presente[110].

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO 3

 

 

Alteridade

Caminho Alternativo à Violência

 

 

 

3.1. Introdução

          No primeiro capítulo foi apresentada uma panorâmica do fenômeno da violência sob os enfoques da antropologia cultural, psicanálise e história. No segundo capítulo, os principais elementos da obra “Da Existência ao Existente” foram destacados com a finalidade de oferecer elementos para uma saída ética ao drama da violência. Nesta obra em particular de Lévinas está como que um despertar para a questão da Alteridade. Esta vai se constituir no seu mais importante e radical caminho alternativo à violência. Lévinas funda uma nova antropologia. Uma antropologia e uma ética do outro ser humano, separada do poder totalitário do ser e do “Eu”, afastando-o da violência e direcionando-o para a paz.

Lévinas propõe um tipo novo de humanismo, aberto ao infinito e responsável pelo outro. Aqui, a exigência ética é proposta como o sentido profundo do homem que o eleva ao humano como realização e destino individual como social. A ética filosófica ocidental propõe na dimensão individual a idéia de luta pela sobrevivência e satisfação das necessidades básicas, impondo-se ao peso do existir. Trata-se de luta para obter um espaço no mundo da economia e da sociedade, rompendo o cerco da solidão e da evasão. Trata-se também de luta pela emancipação e autonomia na esfera educativa e política. Há também uma luta pela possibilidade de existir contra a angústia da morte sempre iminente. Enfim, trata-se de luta pela sobrevida na perspectiva da imortalidade, contra a queda na impessoalidade ou no nada[111].

O ponto de partida de Lévinas é a afirmação de que a ética instaurada tem por base a velha ordem do ser. Esta não serve mais para nortear a sociedade. É necessária uma ruptura profunda da velha ordem constituída em ser-poder-saber. Tal ruptura levará a uma nova afirmação do ser humano. Este encontra seu sentido maior na relação com o outro homem, com o próximo. Singularidade irredutível de cada homem, com seu valor único, que precede sua universalização do saber e na política; a ética instaura-se na relação inter-humana, a ética é o sentido profundo do humano e precede a ontologia[112].

Como se dá esta ruptura? O saber é uma relação do mesmo com o outro em que o outro é reduzido ao mesmo e despojado do seu ser em si ou alteridade. Com isto, conduz tudo à imanência. Lévinas rejeita essa visão tradicional de consciência racional. O saber construído na relação ontológica é mediado pelo ser. O outro perde sua especificidade de outro quando pensado na interioridade da consciência e no modo da temporalidade que privilegia o presente. Lévinas substitui a subjetividade pensada como fria racionalidade pela moralidade do homem que não se frustra ao apelo do vindo do outro. Propõe o retorno ao concreto da relação inter-humana como base incontornável para pensar a ética[113].

Lévinas propõe que a relação com o outro deve ser antevista como relação que supera os quadros ontológicos. Isso porque o pessoal concreto conta mais que o geral abstrato. Trata-se de instaurar rupturas: com o estruturalismo, que submete o indivíduo às estruturas impessoais das engrenagens sociais e da linguagem; com o marxismo, que submete o homem às estruturas gerais do socioeconômico coletivo; e com a psicanálise, na qual o eu fica submerso nas tramas do inconsciente e das pulsões libidinais ou tanáticas. Problemas bem concretos obrigam a unir pensar e fazer, reflexão e ação. Não é no ser e na totalidade que se vão encontrar luzes para a questão do sentido da existência e da convivência[114].

 

3.2. Intuições Filosóficas

Dentre as grandes intuições filosóficas da proposta ética de Lévinas se destacam: a ruptura com os parâmetros éticos da tradição ocidental; a separação dos entes; a afirmação da subjetividade individual como ponto extremo em que se refugia e sustenta a moral; a relação inter-humana entre eu e outro como a brecha fundamental que precede a ontologia; o rigor fenomenológico-especulativo com que elabora o entendimento da transcendência da relação onde aparece a alteridade[115]. Vejamos a título de síntese algumas destas intuições filosóficas de Lévinas.

 

3.2.1. Ruptura com os Parâmetros Éticos da Tradição Ocidental

Lévinas rompe com os parâmetros éticos da tradição ocidental. Ele critica o modo ontológico e helenístico de pensar do ocidente, onde tudo se resume ao eu, ao ser e ao mesmo. Nesta concepção não há lugar para o outro como outro. O outro é sempre reconhecido como igual ao eu, ao mesmo ou o que ele denomina ipseidade.

A ética ocidental sempre foi pensada a partir do ser e do eu, dentro do domínio da Ontologia-Metafísica. Ela caracterizou-se pela autonomia do Eu e pela ontologia da totalidade. Nesta ética não havia lugar para o outro. Quando outro era reconhecido, o era como igual ao Eu mesmo. O ser era visto como princípio a partir do qual tudo podia ser compreendido, não havia separação entre o eu e o outro. Na autonomia o outro não era reconhecido como tal. O outro era absorvido pelo eu. O outro era reduzido ao eu, ao mesmo. Assim, a crítica de Lévinas é que a ética ocidental sempre foi pensada a partir do eu e do ser. Lévinas propõe uma ética que tenha como fundamento a responsabilidade e a heteronomia[116].

 

3.2.2. A Separação dos Entes

A ética levinasiana estabelece de imediato a separação dos entes. O Eu e o Outro estão totalmente separados. Há exterioridade total entre eles. Só desta forma o eu pode reconhecer o outro como diferente; daí entender o sentido da alteridade. A fim de evitar este aprisionamento do outro pela ontologia, que caracterizam o pensamento helênico, Lévinas se pauta nas categorias do pensamento judaico. É um pensamento que respeita a exterioridade, o Transcendente, que torna impossível a absorção do Outro pelo ser ou pelo Eu. Na relação ética, o outro e o eu são entes totalmente separados, não havendo nenhuma possibilidade de reversibilidade.

Contrapondo ao princípio da unidade de pensar ocidental, Lévinas defende que os entes humanos são completamente separados uns dos outros. Cada ente constrói sua ipseidade sem se referir a nada. A única maneira do “eu” ser “eu” é na exterioridade. Não se pode reduzir tudo ao ser e ao mesmo. A forma de superar este reducionismo é pelo encanto e pelo apreciar das coisas do mundo. O humano se estrutura neste deixar acontecer. Lévinas afirma que no ato de apreciar e vivenciar cada instante da existência sem utilitarismo e em pura perda, sem se referir a nada, em puro desperdício, está o autenticamente humano. A sensibilidade e a corporeidade se contrapõem, nesta trama, à consciência reflexiva, ao Eu, ao Mesmo e à Identidade de si. Portanto, o eu e outro não podem ser unidos, eles se constituem na separação[117].

 

3.2.3. O Lugar da Origem e Intimidade

Se o eu e o outro são separados, como estabelecer uma relação de modo que o eu reconheça o outro como outro? Lévinas usa a analogia da casa. O homem apesar de manter-se no mundo tem na casa sua origem e intimidade. A mulher é que vai tornar a casa em habitação, abrigo acolhedor, espaço de intimidade e doçura. A casa é fundamental para a existência humana, pois favorece a intimidade e a subjetividade. Ela é expressão do sentido de separação: pode ser tanto fechamento em si, interiorização, como abertura à hospitalidade ao que é exterior. A habitação e a intimidade da morada que torna possível a separação do ser humano supõe assim uma primeira revelação de outrem.

 

3.2.4. O Rosto, Infinito e Alteridade

Parte do pensamento de Lévinas está centrado no rosto e se apresenta como um pensamento do infinito. É o desejo insaciável pelo outro que nos remete à transcendência e à alteridade. É um desejo “metafísico”, pois vai para além do ser. No rosto o outro deixa um excesso de significação pelo qual o Infinito vem a idéia. Esse é o enigma do rosto. O rosto se manifesta sem se revelar completamente. O termo usado por Lévinas é epifania para expressar a originalidade do rosto. Ele indica uma realidade que não está presente nele.  O enigma está na abertura ao transcendente. O rosto do outro não se deixa sintetizar, pois está numa ordem além do presente e do ser. Relacionar-se com o outro nesta dimensão é relacionar-se com o infinito. Assim, o rosto do outro, nas suas mais diversas expressões, não pode ser reduzido ao tu, pois a excelência da eleidade[118] não está na presença e sim na transcendência irreversível[119].

Em Lévinas a reflexão sobre com o rosto não é uma descrição minuciosa de suas partes, nem os modos como ele se apresenta fisicamente, com olhos, nariz e boca. O rosto não se constitui num dado que possa ser descrito e para daí estabelecer seu sentido. A idéia de rosto que Lévinas defende significa a transcendência ou a alteridade de modo absoluto. O rosto exprime a própria transcendência, que não pode ser atingida por uma reflexão teórica, nem por qualquer tipo de prática. A transcendência se dá como um movimento de abertura do “Eu” para com o outro. A impossibilidade de apropriação e posse do infinito indica uma modelo possível para estabelecer as relações inter-humanas. Assim como o desejo do infinito nunca será satisfeito assim também o desejo do outro próximo. A abertura para o outro que o desejo manifesta deve acontecer como pura bondade. O outro que se apresenta ao “Eu” como próximo suscita uma atitude de generosidade para com ele. O próximo outro não se constitui em alguém que o “Eu” pode ver, falar e saudar. O “Eu” pode enxergar o outro e tentar possuí-lo. A sugestão de Lévinas vai numa outra direção. Ele propõe uma orientação para o outro de uma maneira desinteressada, generosa, onde a posse do mundo possa ser oferecida a outrem. A transcendência do rosto pode assumir um modo concreto na dimensão do humano, que é capaz de oferecer sua casa com todos os seus bens como hospitalidade para o outro ser humano. Abrir a casa para o outro é a atitude adequada para um eu manifestar a sua dimensão de transcendência. A hospitalidade já indica a abertura original do eu que se estrutura como receptividade e doação. A transcendência se constitui como uma doação ao outro e não como uma visão do outro ou posse do outro. Como diz o próprio Lévinas, a transcendência não é uma visão de outrem, mas uma doação original. Uma doação que se concretiza na aproximação aconchegante, no olhar receptivo, no abraço carinhoso, no dizer bem-vindo. Através de hospitalidade o “Eu” dirá: “estão aqui minhas coisas, pode dispor à vontade, de que necessita”. Esta abertura ao outro constitui o ser do humano que age esquecido de si próprio. É nessa perspectiva de acolhimento hospitaleiro que o humano pode apresentar a dimensão de sua existência, como uma espécie de abertura no ser. A doação que ele faz ao outro dos seus bens e de si mesmo significa uma transcendência do seu modo de ser fechado e interessado por si mesmo. A doação original estabelece uma outra compreensão de ser humano. Esta por sua vez inaugura uma nova perspectiva de compreensão da ética. A identidade do ser humano assume uma outra significação à medida que ele é considerado na sua condição de ser ético. A prioridade que ele dá ao outro em relação a si constitui uma nova maneira de referir-se a ele como ser humano. Contudo, não podemos imaginar que o dar prioridade ao outro signifique uma negação ou diminuição da importância do eu, do si mesmo, do ser humano. Muito ao contrário, significa a possibilidade de afirmar a sua humanidade como a verdadeira identidade do homem. É nesse sentido que o homem todo passa a significar o rosto e afirmar a sua pessoalidade como algo único, distinto das outras coisas. A prioridade dada ao outro, marca um horizonte de entendimento do ser humano constituído fundamentalmente pela ética[120].

O que interessa a Lévinas é a percepção do rosto como a revelação mais profunda do humano, capaz de expressar a sua identidade de ser pessoal e a abertura para outro: o rosto não é a junção de um nariz, de uma fronte, dos olhos. Ele é tudo isso, mas toma a significação de um rosto pela dimensão nova que ele abre de um ser. Pelo rosto, o ser não é somente fechado na sua forma ele é aberto, se instala em profundidade. Nessa abertura se apresenta pessoalmente. O rosto somente terá consideração no nível do seu estatuto, quando for abordado pela via da ética. Nesse nível, as formas de violência possíveis serão sempre rechaçadas como negadoras da identidade do outro e, portanto, fora da orientação ética fundamental[121].

Outro aspecto da ética de Lévinas referente ao conceito de rosto é a responsabilidade. O apelo do outro se torna irresistível. Trata-se de um imperativo ao eu que não tem outra escolha senão se responsabilizar pelo outro. O bem do outro sempre se impõe e elege o “Eu”. Não é uma escolha do “Eu”, nem o Eu assume essa eleição. No entanto, o “Eu” é eleito desde sempre para ser responsável pelo outro. Mas essa eleição, da qual o “Eu” não pode furtar-se, não é uma violência, porque ela vem do Bem. Trata-se de uma eleição que não o torna titular de um privilégio, mas de uma responsabilidade. Ante o abandono do outro não resta alternativa senão a responsabilidade. Todos os seres humanos são responsáveis por tudo e por todos não obstante, ter ou não atuado diretamente sobre o bem ou o mal que acometeu determinada pessoa ou circunstância[122].

Para Lévinas há uma diferença entre ensinamento e conhecimento. O conhecimento engloba o conhecido sem haver nada de novo. Já o ensinamento, vindo da exterioridade, traz uma palavra de mestre que transcende. O outro é mestre por excelência, pois ensina a transcendência. Toda verdade a respeito do mundo só tem sentido se tiver unido e obediente a uma verdade transcendente. Assim, a verdade é um ensinamento da transcendência. O rosto do outro, na perspectiva do ensinamento de mestre está mais elevado que eu. O “Eu” não é o senhor do mundo. Assim, a própria liberdade não tem a última palavra, o “Eu” não está sozinho. O mandamento revela a alteridade do outro, de tal forma que o autor não a concebe senão essencialmente ligada ao mandamento. Segundo Lévinas, isto ocorre de tal forma que é impossível existir alteridade que não seja mandamento. Portanto, Lévinas funda uma nova antropologia do outro homem, separada do poder totalitário do ser e do “Eu”, afastando-o da violência e direcionando-o para a paz[123].

Enfim, a relação com o “outro” dá uma idéia de quão infinito é o “outro ser humano” em proporção à idéia que o representa como conhecimento captado pela inteligência. Respeitar o “outro ser humano” é colocá-lo em frente como um ser diferente, distante que não pode ser capturado pelo toque das mãos ou pelo olhar do mesmo. O “rosto do Outro ser humano” é sua forma de “apresentar-se”. O “rosto” na relação “face-a-face” supera a idéia que o “eu” tem do “outro”. O face-a-face supera em originalidade e radicalidade a idéia que se pode ter do infinito do “ser humano” captado pela inteligência ou sentidos. O que vem do Outro como exterioridade, como idéia do infinito, como rosto e como ensino põe em crise o “Eu”. O que vem do Outro questiona e acusa a liberdade individual, ingênua e fechada em si[124].

 

3.3. Alteridade

Segundo Lévinas, a alteridade absoluta do outro instante, situado depois do intervalo da inconsciência, constitui o tempo como relação com o “outro”.  É uma alteridade exterior ao instante do “eu”, exterior ao próprio “eu” e à sua capacidade de contemplação. O sujeito, que sempre é desafiado por um novo instante descontínuo com relação a seu presente, não é um sujeito isolado; ele move na intersubjetividade frente a outros, distintos dele. O começar frente a “um outro”, “outro” que não é o “eu” e o “outro diferente”, desconhecido, não-familiar. O “outro”, enquanto outro, não é somente um alter-ego. Ele é o que eu não sou: ele é o débil enquanto eu sou o forte. Trata-se do pobre, da viúva e do órfão, ou então é o estrangeiro, o inimigo, o poderoso[125].

A relação com o outro é face-a-face, anterior a toda anterioridade e desprovida de toda mediação, de todo intercâmbio e de toda reciprocidade. A alteridade do tempo presente vem de outro tempo diacronicamente situado depois de um intervalo de inconsciência e para além da alteridade do “eu”, vem de outro rosto assimetricamente situado para além de toda identidade por similitude, vizinhança, conhecimento, etc. Para o tempo presente e para o “eu” – abrem-se um “para além de” “de modo diferente que”. O “para além” e o “de modo diferente” são as portas de saída por onde o “eu” fechado em seu si-mesmo e preso num eterno presente pode sair-de-si e ficar referido a outro diferente, em que a existência poderá ser diferente: um eu-diferente face-a-face com o Outro-diferente. O outro por excelência é o feminino e de que a relação intersubjetiva mais típica e originária é a familiar, em que se encontram três diferentes rostos na relação do face-a-face, a saber: o pai, a mãe e o filho[126].

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conclusão

 

 

O presente trabalho numa primeira etapa procurou situar a questão da violência pela via da causalidade. Destacou e analisou as heranças históricas, o arcabouço cultural, político, psicossocial e individual da violência. O ser humano quer no plano individual ou coletivo por vezes se apresenta como máximo inimigo do outro ser humano. A violência se configura como um círculo vicioso do qual parece impossível sair. Neste ponto apresentamos a reflexão de um importante filósofo do século XX, Emmanuel Lévinas. Seu trabalho reflexivo visou justamente encontrar uma saída para este aparente “sem saída” onde se colocou o ser humano, sobretudo no Ocidente.

O segundo momento foi a releitura da obra “Da Existência ao Existente”. Ela trata do problema da existência, do mundo e do tempo, o problema da intencionalidade e da consciência. O Ocidente foi aprisionado pelo que ele denomina de “il y a” (há), metáfora da absoluta impessoalidade gerada pelo ser. O descobrimento e a descrição fenomenológica do “il y a” permite a Lévinas assinalar a necessidade de pensar numa saída ética ao egoísmo ontológico que precipitou o Ocidente na era da guerra total.

Segundo Lévinas, o Ocidente é a terra do ser, e este é o impessoal “il y a” que se realiza num processo anônimo, sem saída, indiferente e sem sentido. As metáforas da insônia e do ruído do silêncio expressam isso de maneira privilegiada. O esforço de “Da Existência ao Existente” é o de encontrar uma experiência que possa propiciar uma saída deste sem saída que é o “il y a”. A saída do anônimo “il y a” do ser é saída para um diferentemente de ser, saída da existência anônima para o existente que carrega um nome. É o anúncio de uma saída ética da ontologia. Em primeiro lugar, em “Da Existência ao Existente”, o há se desprende de uma fenomenologia da fadiga e da preguiça. Ao final do livro, evidencia-se a verdadeira saída do “il y a” (há) está no ser para o outro que introduz um sentido no não-sentido do “il y a” há.

A saída de si está na responsabilidade pelo “outro”, em ocupar-se do “outro”, está em pensar no “outro”, em sua vida e em sua morte, antes de preocupar-se consigo mesmo. A responsabilidade pelo outro é o bem, conteúdo ético por excelência, e o filosoficamente primeiro, anterior a toda anterioridade.

O tema da ética, presente na obra “Da Existência ao Existente” se esforça por entrar em diálogo crítico com o Ocidente ontológico. Ele propõe uma saída ética para as a inquietudes existenciais que caracterizavam o ocaso do pós-guerra. Lévinas separar-se da ontologia e do ser como horizontes fenomenológicos de compreensão e de constituição dos entes. Desta forma, ele sai da subjetividade fechada e que gira em redor de si, bem como da intersubjetividade que espelha a si e é concretizada na forma de egoísmo. Propõe uma reconstituição ética da subjetividade e da intersubjetividade como “ser para o outro”. O “ser para o outro” é o conteúdo ético por excelência e o filosoficamente primeiro, anterioridade anterior a toda anterioridade, proposta ao Ocidente pela via do diálogo.

Alteridade é o conceito maior da ética de Lévinas, do latim “alter”, significa “o outro”, “o diverso da identidade”. O “outro” é o que é exterior ao “eu”, é o que eu "não sou", abrindo a possibilidade do diálogo e inter-subjetividade. A alteridade é o meio pelo qual o ser humano redime a si mesmo. O rosto do outro se apresenta como alguém que interpela, que torna o “eu” responsável por ele antes mesmo do próprio “eu” fazer esta escolha. O “ser-para-o-outro” constitui a máxima ética que coloca a responsabilidade antes da liberdade pessoal. Ela a redefine, pois a liberdade não termina quando começa a dos outros, mas sim é garantida pela liberdade dos outros. O rosto do outro, que não é o Mesmo, é palavra que ensina e é mandamento que proíbe a violência.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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[1] Cf.: RODRIGUES. J. H. Conciliação e Reforma, um Desafio Histórico-Cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965, p. 29.

[2] Cf.: RODRIGUES. J. H. Idem, p. 32.

[3] Cf.: ALGRANTI, Leila Mezan. O Feitor Ausente. Petrópolis: Vozes, 1988, p. 21; VAINFAS, Ronaldo. Ideologia e escravidão: os letrados e a sociedade escravista no Brasil colonial. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 42.

[4] Cf.: GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada, São Paulo: Ática, 1990, p. 24-26.

[5] Cf.: GORENDER, Jacob. Idem, p. 95-96.

[6] Cf.: VAINFAS, Ronaldo. Op. cit. p. 42-44.

[7] Cf.: ALGRANTI, Leila Mezan. Op. cit., p. 21.

[8] Cf.: DA MATTA, Roberto. O Que Faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1986, p. 94-95.

[9] Cf.: ZULUAR, Alba. A criminalização de Drogas e o Reencantamento do Mal. ln: Revista do Rio de Janeiro, UERJ, n. 1, 1993, p. 8-15.

[10] Moscatelli apresenta de forma contundente o dia-a-dia do povo incriminado e uma descrição do criminoso comum e do delinqüente político. Cf.: MOSCATELLI, L. Política da Repressão. Força e Poder de uma Justiça de Classe. Rio de Janeiro: Editora Achiamé. 1982 p. 89-100. RIBEIRO, H. A identidade do Brasileiro: “Capado, Sangrado” e Festeiro. Petrópolis: Vozes, 1994, p. 16.

[11] Cf.: MOSCATELLI, L. op. cit.  p. 50. RIBEIRO, H. op. cit. 1994, p. 17.

[12] Cf.: ZALUAR, Alba. Estatísticas Macabras. In: Jornal do Brasil de 1/9/1994, p. 11.

[13] Cf.: AMORETTI R. (org). Psicanálise e Violência. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 25.

[14] Cf.: MOSCATELLI, L. op. cit., p. 105.

[15] Cf.: Ibidem, p. 106.

[16] Cf.: MOSCATELLI, L. op. cit. p. 105-107.

[17] Cf.: NUTTIN, J. Psicanálise e Personalidade. Uma teoria dinâmica da personalidade normal dentro de uma concepção espiritualista do homem. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1972, p. 70- 72. FREUD, S. Obras Completas. Vol. 5. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

[18] Cf.: LORENZ, Konrad. A Agressão uma História Natural do Mal. Editora Ciência, 1992, p. 30.

[19] Cf.: GIRARD, René. A Violência e o Sagrado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 177-178.

[20] Mimético etiologicamente vem de mimesis e significa imitação. O ser humano deseja o que o outro deseja. Um ser humano imita o outro no desejo.

[21] Cf.: GIRARD, René. Op. cit., p. 180.

[22] Cf.: GIRARD, René. Op. cit., p. 195.

[23] Cf.: Idem, p. 102-103.

[24] Cf.: Ibidem, p. 104.

[25] Cf.: GIRARD, René. Op. cit., p. 108.

[26] Cf.: GIRARD, René. Idem, p. 389.

[27] Cf.: COMBLIN, José. Neoliberalismo - Ideologia dominante na virada do século. Petrópolis: Vozes. 2000, p. 104-107. HINKELAMMERT, Franz Josef. As armas ideológicas da morte. São Paulo: Paulinas. 1983, p. 152.

[28] Cf.: COMBLIN, José. Op. cit., p. 125.

[29] Cf.: GIRARD, René. Op. cit., p. 186-187.

[30] Das 74 guerras internacionais travadas entre 1816 e 1965, classificadas por especialistas americanos pelo número de vítimas, as quatro primeiras ocorreram no século XX: as duas guerras mundiais, a guerra do Japão contra a China (1937-1939), e a Guerra da Coréia. Cada uma delas matou mais de um milhão de pessoas em combate. A maior guerra internacional documentada do século XIX pós-napoleônico, entre Prússia-Alemanha e França, em 1870-71, matou talvez 150 mil pessoas, uma ordem de magnitude mais ou menos comparável às mortes na Guerra do Chaco, de 1932 a 1935, entre Bolívia e Paraguai. Em suma, o ano de 1914 inaugurou a era do massacre. Cf.: HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos - O breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 29 a 35.

[31] Cf.: OLIVEIRA, Manfredo A. (org). Correntes fundamentais da Ética. Contemporânea. 2ª Edição, Petrópolis: Vozes, 2001, p. 79.

[32] Cf.: BONAMIGO, G. F. Primeira Aproximação à Obra de Emmanuel Lévinas, p. 79-80.

[33] Cf.: COSTA, M. L. Lévinas, uma introdução. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 47.

[34] Cf.: BONAMIGO, G. F. op. cit., p. 80-81.

[35] Cf.: MORO, Ulpiano Vazquez. Una interpretación de Emmanuel Lévinas. Montevidéu: Encuentro, v. 37, 1985, p. 127-133.

[36] Cf.: BONAMIGO, G. F. op. cit, p. 82.

[37] Cf.: BONAMIGO, G. F. op. cit, p. 83-84.

[38] Cf.: Ibidem, p. 84-85.

[39] Cf.: Ibidem, p. 85.

[40] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 41-42.

[41] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 43.

[42] Cf.: Ibidem, p. 73-74.

[43] Cf.: ibidem, p. 74.

[44]  Cf.: LEVINAS, E. Da Existência ao Existente. Campinas: Papirus, 1998, p. 32-33.

[45]  Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 35.

[46] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 74.

[47]  Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 36.

[48]  Cf.: Ibidem, p. 37.

[49] Cf.: COSTA, M. L. Lévinas, uma introdução, p. 74.

[50] Cf.: LÉVINAS, E. Da Existência ao Existente, p. 48.

[51] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 114.

[52] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 48.

[53]  Cf.: Ibidem, p. 41-42.

[54]  Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 44.

[55]  Cf.: Ibidem, p. 44.

[56] Cf.: Ibidem, p. 46.

[57] Cf.: Ibidem, p. 49.

[58] Cf.: Ibidem, p. 53-55.

[59] Cf.: Ibidem, p. 61-62.

[60] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 65.

[61] Cf.: Ibidem, p. 68.

[62] Cf.: Ibidem, p. 69.

[63] Cf.: Ibidem, p. 70.

[64] Cf.: Ibidem, p. 71.

[65] Cf.: Ibidem, p. 72.

[66] Cf.: Ibidem, p. 73.

[67] Cf.: Ibidem, p. 74.

[68] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 71-72.

[69] Cf.: Ibidem, p. 72-73.

[70] Cf.: Ibidem, p. 75-76.

[71] Cf.: Ibidem, 2000, p. 76.

[72] Cf.: Ibidem, p. 76.

[73] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 77.

[74] Cf.: COSTA, M. L. Ibidem, p. 78.

[75] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 79.

[76] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 79.

[77] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 80.

[78] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 81-82.

[79] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 81.

[80] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 83.

[81] Cf.: Ibidem, p. 85.

[82] Cf.: Ibidem, p. 86.

[83] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 82.

[84] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 87.

[85] Cf.: COSTA, M. L op. cit, p. 47.

[86] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 88.

[87] Cf.: Ibidem, p. 88.

[88] Cf.: Ibidem, p. 91.

[89] Cf.: Ibidem, p. 92.

[90] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 93.

[91] Cf.: Ibidem, p. 94.

[92] Cf.: Ibidem, p. 97.

[93] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 91-92.

[94] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 99.

[95] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 85.

[96] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 103.

[97] Cf.: Ibidem, p. 104.

[98] Cf.: Ibidem, p. 105.

[99] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 106.

[100] Cf.: Ibidem, p. 107.

[101] Cf.: Ibidem, p. 108.

[102] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 109.

[103] Cf.: Ibidem, p. 110.

[104] Cf.: Ibidem, p. 111.

[105] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 113.

[106] Cf.: Ibidem, p. 114.

[107] Cf.: Ibidem, p. 114.

[108] Cf.: Ibidem, p. 115.

[109] Cf.: LÉVINAS, E. op. cit, p. 116.

[110] Cf.: Ibidem, p. 117.

[111] Cf.: OLIVEIRA, Manfredo A. (org). Correntes fundamentais da Ética. Contemporânea. 2ª Edição, Petrópolis: Vozes, 2001, p. 80.

[112] Cf.: OLIVEIRA, Manfredo A. (org). op. cit, p. 81.

[113] Cf.: OLIVEIRA, Manfredo A. (org). op. cit, p. 82.

[114] Cf.: Ibidem, p. 84.

[115] Cf.: Ibidem, p. 85.

[116] Cf.: OLIVEIRA, Manfredo A. (org). op. cit, p. 85.

[117] Cf.: COSTA, M. L. Lévinas, uma introdução. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 146.

[118] Neologismo que significa ele mesmo.

[119] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 112.

[120] Cf.: SOUZA, J. T. B. de. Ética como Metafísica da Alteridade em Lévinas. Tese de Doutorado em Filosofia. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 2007, p. 134.

[121] Cf.: SOUZA, J. T. B. de. op. cit,, p. 145.

[122] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 124.

[123] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 125.

[124] Cf.: Ibidem, p. 126.

[125] Cf.: COSTA, M. L. op. cit, p. 92.

[126] Cf.: Ibidem, p. 93.